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OURIQ

Um diário trasladado

OURIQ

Um diário trasladado

31
Out18

Um judeu bom


Eremita

Via Valupi

O Ouriquense é um blog pró-semita e a nossa judeofilia só não transparece mais vezes para evitar arrelias. Num tempo em que a palavra tem vindo a ser sistematicamente desvalorizada como não me lembro de ter acontecido nas últimas 3 décadas, do bordão "words are not violence" à contextualização, branqueamento ou desvalorização de ameaças grotescas de líderes políticos, as declarações deste médico são um verdadeiro consolo.

  

28
Out18

Bolsanaro e os cínicos profissionais


Eremita

“Irony and cynicism were just what the U.S. hypocrisy of the fifties and sixties called for. That’s what made the early postmodernists great artists. The great thing about irony is that it splits things apart, gets up above them so we can see the flaws and hypocrisies and duplicates. (...) Sarcasm, parody, absurdism and irony are great ways to strip off stuff’s mask and show the unpleasant reality behind it. The problem is that once the rules of art are debunked, and once the unpleasant realities the irony diagnoses are revealed and diagnosed, "then" what do we do? Irony’s useful for debunking illusions, but most of the illusion-debunking in the U.S. has now been done and redone. (...) All we seem to want to do is keep ridiculing the stuff. Postmodern irony and cynicism’s become an end in itself, a measure of hip sophistication and literary savvy. Few artists dare to try to talk about ways of working toward redeeming what’s wrong, because they’ll look sentimental and naive to all the weary ironists. Irony’s gone from liberating to enslaving. There’s some great essay somewhere that has a line about irony being the song of the prisoner who’s come to love his cage.” David Foster Wallace

 

O reparo de David Foster Wallace assenta que nem uma luva aos comentadores que, incapazes de tomar uma posição clara perante o dilema Bolsonaro vs. Haddad, optam por ridicularizar quem defende o voto em Haddad. Os exemplos abundam, mas este, que é um modo de ganhar a vida, e este, que me parece ser um caso clínico, são especialmente claros. Há neles um défice de empatia e um pudor na expressão sentimentos ou daquilo que defendem que os deixa muito susceptíveis à ideia da superioridade moral da esquerda. Assim, tomam tudo por virtue signalling. A ironia e o cinismo com que descrevem como hipócritas tomadas de posição que, perante as declarações grotescas de Bolsonaro, decorrem do mais elementar bom senso, não servem o objectivo de sofisticação literária que Wallace identificou nos escritores pós-modernos, mas também os aprisionam.

 

A ironia é muito viciante para quem a sabe usar e muito cativante para o leitor, funcionando a crónica como uma dose de droga - não é por acaso que os textos de Alberto Gonçalves, escritos com inegável talento para o registo irónico, dizem sempre a mesma coisa, pois no dia em que disserem algo de surpreendente o leitor achará que a sua droga está marada. Este abuso, como o de qualquer outra droga, leva ao entorpecimento e a uma epidemia - neste caso, de cinismo. Mas o dealer da ironia está protegido, pois qualquer reparo que se lhe faça soará a impulso censório de um Jorge de Burgos (o monge bibliotecário vilão de O Nome da Rosa, de Umberto Eco, que entende o humor como algo demoníaco). A imunidade que a  ironia assegura é de tal ordem que um cobarde incapaz de assumir uma causa e de se definir pela positiva pode passar pela vida incólume, talvez até elogiado. 

 

 

 

 

 

27
Out18

José Manuel Fernandes brochou


Eremita

Em quem se votaria nas eleições de domingo no Brasil passou a ser um teste de litmus para sondar a direita portuguesa. O Público percebeu-o e fez a pergunta a Jaime Nogueira Pinto, Luís Nobre Guedes e João César das Neves. Mas a resposta mais fascinante é a de José Manuel Fernandes. O cronista apresenta-se como um pensador livre e corajoso contra a maioria bem pensante que recomenda o voto em Haddad. Estamos perante um caso de exibicionismo de virilidade intelectual. Porém, há um problema. JMF gasta mais de metade do artigo a zurzir no PT e a lembrar que o programa do PT transformaria o Brasil numa Venezuela. Fala-nos depois das virtudes do programa económico de Bolsonaro. E diz até que teme por um golpe de Estado militar se Haddad ganhasse e indultasse Lula. Só que depois, surpreendentemente, assegura que votaria em branco porque Bolsonaro lhe causa repulsa. Ora, a única justificação lógica para JMF votar em branco depois de escrever o que escreveu é a grande vantagem que Bolsonaro leva. Se JMF quisesse mesmo armar-se em livre pensador e contrarian, teria escrito que num cenário em que o resultado final fosse incerto, ele votaria Bolsonaro. Mas colocar-se perante tal cenário e dar o passo em frente ele não foi capaz de fazer. Com pena, Jaime Nogueira Pinto deve ter concluído que JMF ainda não foi completamente reeducado. 

26
Out18

Como incendiar as redes sociais


Eremita

A vida íntima de uma pessoa pode, em qualquer momento, ser conhecida; e sendo-o, pode prejudicar a imagem de uma empresa. Assim, como exemplos: para quem pretenda lidar com valores, melhor será que não tenha cadastro e que não esteja insolvente; um homossexual não será a pessoa indicada para vigilante nocturno num internato de jovens rapazes; uma recém-casada não pode ser contratada como modelo; um alcoólico fica mal num bar, o mesmo sucedendo com um tuberculoso numa pastelaria ou com um esquizofrénico num infantário. Não vale a pena fazer apelos ao politicamente correto, nem crucificar os estudiosos que se limitem a relatar o dia-a-dia das sociedades: o Direito vive com factos e não com ideologias. António Menezes Cordeiro, professor catedrático (Público)

 

A julgar pelo dia-a-dia das sociedades e os "factos", se aplicamos a mesma lógica baseada em estereótipos, também os padres não serão as pessoas indicadas para dar aulas a crianças, mas deste exemplo tão actual o estudioso não se lembrou. Enfim, a verdade é que todos fazemos juízos probabilísticos e quem não o admitir está a ser hipócrita. Por exemplo, aqui em casa exigimos que fosse uma mulher a levar as nossas filhas à escola, seguindo exactamente a mesma lógica que o professor aplica. Suspendendo a questão de saber se o Estado está mais obrigado a assegurar a equidade do que o cidadão comum (claro que está) e ignorando a salgalhada que mistura questões de saúde pública e segurança com interesses económicos de privados, a lista de exemplos não peca por incluir uma situação de discriminação de um homossexual junto de dois outros exemplos em que discriminamos pessoas doentes, mas por não ter um exemplo equivalente de discriminação de um heterossexual (vigilante nocturno num internato de jovens raparigas), exemplo que o próprio professor acaba por mencionar durante a entrevista como válido - um detalhe que será ignorado pelas redes sociais. É claro que as omissões do professor António Menezes Cordeiro denunciam a ideologia invisível do homem branco e heterossexual, provavelmente conservador ou católico, e as ondas de choque provocadas pelas tiradas destes magistrados e académicos do Direito, de tão frequentes, começam a aborrecer. O único mérito desta citação é criar uma verdadeira experiência social. Vamos ficar a saber se nos indignamos mais com a discriminação do homossexual ou da mulher em "risco" de engravidar. A resposta não me parece óbvia, o que torna a experiência pertinente. 

26
Out18

...


Eremita

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[Maniqueísmos]
 

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 Isto anda tão estranho que Álvaro Cunhal até ganhou aura de grande democrata. 

 

25
Out18

O #MeToo e o Estado de Direito


Eremita

Defender o Estado de Direito é um exercício seguro, tão virtuoso como defender a foca bebé, elogiar Malala ou mostrar simpatia por meninos tailandeses aprisionados numa gruta. Daí que Pedro Marques Lopes defenda o Estado de Direito várias vezes por dia; uma pessoa diz "Estado de Direito" e, naturalmente, incha logo um pouco. Ao inverter o ónus da prova no espaço público, manchando a reputação de homens que podem até estar inocentes, o #MeToo aparentemente agride o Estado de Direito. Gostaria de expor uma tese oposta: o #MeToo complementa o Estado de Direito. O Estado de Direito assenta numa ilusão, a ideia de que os homens e as mulheres são iguais. É uma ilusão estruturante, tal como a noção de livre arbítrio, independentemente da sua veracidade. Em teoria e potencialmente, a noção de igualdade resolve inúmeras questões, menos as que decorrem directamente da desigualdade. A desigualdade é aqui entendida como uma característica de base biológica que distingue estatisticamente  os homens das mulheres. Para evitar mal-entendidos, friso tratar-se de uma diferença estatística, isto é, característica de grupos e não definidora de um indivíduo. E para evitar perder tempo com discussões inúteis, assumo que estamos de acordo quanto à irrefutabilidade da base biológica destas diferenças. Concretizando: os homens são mais fortes e mais agressivos e violentos do que as mulheres.  Expresso um “pessimismo andrológico” que me parece realista. E daqui decorre ia que o Estado de Direito só conseguiria eliminar esta assimetria se violasse a sua própria natureza, isto é, tornando-se uma distopia em que a privacidade deixasse de existir por todos serem vigiados a toda a hora e em todo o lugar. A nova sensibilidade criada pelo #MeToo atenua a assimetria armando as mulheres com o poder dissuasor da difamação. Não é uma novidade, pois são inúmeros os relatos de difamação do ex-companheiro pela mulher no caso de disputa pela guarda dos filhos, é apenas a generalização desta ameaça a todos os homens.

 

Por motivos diferentes, os críticos e os defensores do #MeToo jamais reconhecerão a virtude do seu efeito dissuasor. Os primeiros porque têm a ilusão de que a violência masculina se corrige com o cavalheirismo e a protecção das mulheres, isto é, com virtudes masculinas, sendo evidente o paralelo com a noção de caridade como panaceia para a pobreza. Os segundos porque o feminismo radical veicula a ideia de que não há diferenças biológicas entre os homens e as mulheres. Mas creio que será este o principal legado do #Metoo: armar as mulheres, fazê-las capazes de potencialmente tornar a vida de um homem num inferno, tal como um homem pode traumatizar a mulher que viola. É uma visão horrível do mundo, incivilizada, que ninguém quer reconhecer. Daí a insistência em jeito de escape na defesa do Estado de Direito, que nunca poderá resolver a assimetria da força física e da agressividade, sobretudo quando se manifestam como pulsão sexual.

 

Serão efémeras todas as outras virtudes do #MeToo, nomeadamente a possibilidade de as mulheres expressarem a sua angústia, raiva e frustração enquanto vítimas de agressões sexuais, que tem um efeito catártico importante, e também a percepção dos homens quanto à dimensão deste problema. O que persistirá é o novo medo que os homens passaram a sentir. Não estamos diante de um daqueles simulacros ridículos a que alguns homens se submetem para "perceberem" ou serem "solidários" com mulher durante a gravidez e a amamentação, como quando partilham alguma restrição dietária ou colocam um colete com tetinas ao nível dos mamilos. Medo. O melhor título de uma tese de doutoramento que conheço - sobre um tema que não vem ao caso - é "Putting fear in its place". Foi o que aconteceu. É mesmo a sensação que mais se aproxima de uma experiência empática real de apreensão ou temor, mas também a única forma de, na prática, com este novo medo que os homens têm das mulheres, se atenuar o medo que as mulheres sempre sentiram dos homens sem beliscar em demasia o Estado de Direito.

22
Out18

Sobre a mais recente "manobra de Sokal"


Eremita

No Observador, publiquei um artigo sobre o mais recente "escândalo" académico. Antecipando alguma crítica quanto à escolha do jornal tendo em conta hesitações já por mim confessadas, e sem entrar em detalhes excessivos que seriam indelicados, apenas posso adiantar que quando o tema me interessa realmente e julgo poder dar alguma contribuição, o critério principal é fazer a mensagem chegar ao maior número de pessoas o mais rapidamente possível. 

 

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