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OURIQ

Um diário trasladado

OURIQ

Um diário trasladado

28
Fev18

Filhos de Mao


Eremita

 

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Não é só a Organização Mundial de Saúde, Portugal e o extraordinário João Miguel Tavares (sempre tão céptico em relação a tudo o resto) que se deixam enganar. Também o Senado dos EUA aprovou há uns anos a medicina naturopática. Se eles soubessem...

"The reason so many people take Chinese medicine seriously, at least in part, is that it was reinvented by one of the most powerful propaganda machines of all time and then consciously marketed to a West disillusioned by its own spiritual traditions. The timing couldn’t have been better. Postmodernism was sweeping the academy, its valuable insights quickly degrading into naïve relativism. Thomas Kuhn had just published his theory of paradigm shifts and scientific revolutions, a brilliant (and controversial) analysis perennially abused by climate-change deniers and creation-scientists, who take him to have said that there’s no way to distinguish kooks from Galileo. Alan Watts was introducing hippies to mind-blowing Eastern philosophy; Joseph Campbell was preaching the power of myth. Sick of Christianity and guilty about past imperialist sins, the West was ready to be healed by Mao’s sanitized version of Chinese medicine. Ultimately, however, the existence of qiacupuncture meridians, and the Triple Energizer is no more inherently plausible than that of demons, the four humors, or the healing power of God. Slate

Quem defende a homeopatia e a acupunctura é ignorante, burro, desonesto, arrogante ou irresponsável (alguns acumulam). O Bastonário da Ordem dos Médicos tem feito barulho, mas a Ordem dos Médicos pode fazer muito mais. Muito mais. 

27
Fev18

Ser "queer" ou não ser


Eremita

Pareceu-me oportuno voltar ao "coming out" passivo de Adolfo Mesquita Nunes. A minha posição não se alterou, pois continuo a julgar que há vantagens óbvias quando políticos e outras figuras públicas assumem a sua orientação sexual - quanto a este assunto, tenho uma posição utilitarista. Mas entretanto António Guerreiro publicou dois textos (1, 2) sobre este episódio, em que critica os termos usados por Adolfo Mesquita Nunes e o apoio generalizado, de evidente auto-satisfação e "virtue signalling", que as declarações do político e advogado despertaram (enfio o barrete). São dois textos singulares entre nós, por não terem um pingo de homofobia, antes pelo contrário. A singularidade da posição de Guerreiro prova-se pela incompreensão que gerou entre os desatentos e pela reacção de alguns dos mais destacados homossexuais públicos da pátria, como Miguel Vale de Almeida e Eduardo Pitta, que, percebendo imediatamente a argumentação de Guerreiro, fizeram comentários críticos que só podem ter sido para ele mas sem o citar, ou seja, como se ele fosse um proscrito que atraiçoou a causa (3, 4). 

 

segundo texto de Guerreiro é o mais pertinente e esclarecedor. Ele revolta-se contra "o ideal que consiste em tornar a homossexualidade tão integrada e tão assimilada que se torna indiferente". Esta posição só parecerá excêntrica ou caprichosa a quem não estiver a par do que Guerreiro anda a escrever há muito tempo, como a sua crónica sobre a "homossexualidade heróica de Pasolini", nem das discussões sobre estes temas que, há quase três décadas, decorrem nos EUA, remontando a Foucault, o pai dos "queer studies", que em tempos disse, para que não houvesse dúvidas: "il faut s'acharner à être gay". Veja-se a troca de argumentos entre Martha NussbaumMichael Warner, de 2010, sobre o direito dos homossexuais ao casamento, cujo interesse ultrapassa em muito a circunstância de esta ser, muito provavelmente, a primeira vez que a California Law Review é citada a partir de Ourique. Nussbaum e  Warner são académicos prestigiados que constroem uma discussão muito sofisticada e, embora militante, sem o sectarismo que tende incubar ataques ad hominen, processos de intenções e interpretações de contornos psicanalíticos que só introduzem ruído. Fazendo a transposição para Portugal, Nussbaum representa as vozes do progressismo ortodoxo (Pitta, Vale de Almeida, a ILGA, etc.) e a sua defesa do casamento entre os homossexuais é exaustiva e exemplar. Warner, o homossexual que critica a posição de Nussbaum, representa Guerreiro, que ousou criticar a ortodoxia progressista e reclamar um direito à diferença que ele vê condenado à extinção pelo modo como tem sido feita a inclusão social dos homossexuais. Warner entende o casamento civil como um ritual sacralizado, expressão de uma lei "cripto-cristã" que, na sua essência, perpetua a heteronormatividade e que, consequentemente, os homossexuais não devem fazer do direito ao casamento a sua grande batalha política, sob pena de estigmatizarem ainda mais aqueles homossexuais que não se revêem no modelo, nomeadamente os mais promíscuos. 

 

Continua. Isto vai dar muito mais trabalho do que tinha estimado, mas publico já a introdução, pois de outro modo não consigo libertar a cabeça para a agricultura e a captação de fundos públicos do PDR2020 - é a chamada "vidinha". Quando acabar abro os comentários.

 

 

21
Fev18

Contra a charlatanice


Eremita

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Foi publicada no dia 9 de Fevereiro no Diário da República uma portaria (45/2018) que regula os requisitos das licenciaturas em medicina tradicional chinesa. É mais uma peça de uma avalanche legislativa que começou em 2003 e que ganhou particular dinamismo a partir de 2013, no governo de Passos Coelho. O que esta legislação faz é colmatar a falta de provas científicas de eficácia e segurança de várias terapias alternativas, da homeopatia à medicina tradicional chinesa, substituindo-a por portarias e decretos-leis. Permite aos terapeutas alternativos pendurarem nas paredes dos seus consultórios cédulas profissionais passadas pela Administração Central de Saúde, o que induz o público no erro de pensar que estas têm fundamentação científica. Mas estão longe de a ter. Tem inteira razão a Ordem dos Médicos, que publicou um vigoroso protestoDavid Marçal e Carlos Fiolhais

 

Quando for inegável que alguém morreu por ter andado a perder tempo precioso em terapias absurdas, será oportuno lembrarmos a longa lista de deputados que, por pressão de lobbies, um deslocado impulso de inclusão social, medo de acusações de xenofobia ou iliteracia científica, andam há vários anos a promover as chamadas terapias alternativas. Não tenho dúvidas de que esse dia chegará, mas duvido que mesmo assim algo mude, tendo em conta o amplo apoio de que estas terapias gozam no hemiciclo, a apatia com que a sociedade reage a notícias que dão conta da sua expansão entre nós (na imprensa, só Marçal e Fiolhais fazem barulho), a incompetência da Ordem dos Médicos, que protesta mal, mais parecendo interessada na defesa de uma corporação do que na defesa da cultura científica e da saúde dos cidadãos, e ainda a popularidade de outras charlatanices que a televisão mostra, como a astrologia, a cartomancia e a numerologia. Não é complicado: um país que diz promover a ciência e a educação não pode legitimar a homeopatia e a acupunctura. E para prevenir acusações de cientismo ou de conluios entre este eremita indigente e a grande indústria farmacêutica, friso, sobretudo nestes tempos tão avessos à nuance, que não me custa elogiar contributos das medicinas tradicionais, desde que validados com o mesmo rigor científico que usamos na medicina convencional.

21
Fev18

Desmond Morris reloaded


Eremita

Adoramos frisar a excepcionalidade da nossa inteligência quando nos comparamos com os outros animais, mas poucos se lembram que a biologia da nossa espécie também se distingue de todos os restantes mamíferos quanto ao sexo, muito antes de o sexo dos homens ter adquirido toda a complexidade cultural que hoje discutimos. Quem quiser saber mais deve ouvir esta informativa entrevista a um casal de biólogos

19
Fev18

Do narcisismo


Eremita

Espanto-me com a a gastação de prosa com que alguns mimoseiam outros. O Alf do Elogio da Derrota, que escreve bem que se farta e tem montes de graça e que é insolente de dar gosto, gasta a sua inspiração e talento em textos longos a criticar os críticos e os maus escritores, com isso cansando a minha beleza. O agora incensado Luís Miguel Rosa escreve textos chatíssimos, daqueles que parecem os discursos de oito horas do congresso americano, em que diz mal de meio mundo e onde, pelo meio, tece considerações em que mostra que é letrado -- e meia bloga cai-lhe aos pés; mas eu não que, se acho que a minha vida é curta demais para gastar um dia inteiro fechada no Louvre, imagina se ia gastar essas tantas horas a ler longas e chatas prosas (e agora até em inglês) do jovem que faz babar os eruditas e os eremitas e faz ranger os dentes ao Alf que não gosta de concorrência. Nem pensar. Um Jeito Manso

 

A autora de Um Jeito Manso, que consegue a proeza de se destacar pelo narcisismo num meio saturado de narcisistas, diz-nos que se espanta com os elogios a Luís Miguel Rosa (LMR), mas confunde espanto com ciúme. Se bem percebi, considera a prosa de LMR chata, exibicionista e maledicente, o que me pareceu um notável auto-retrato involuntário.

 

Adenda: salvo erro sincero, creio que até ontem só tinha referido uma vez o blog  Um Jeito Manso, apesar de ainda o visitar com frequência e até de, em tempos, o ter incluído na minha lista de blogs. Se lhe respondi ontem, foi apenas para não deixar passar o delegante "que faz babar", expressão que, aliás, provavelmente não teria visto se não a tivesse descoberto por acaso quando lia um post do Alf , porque a exuberância pictórica de Um Jeito Manso me impede de ler os textos na totalidade e com atenção. Este facto seria irrelevante, não se desse o caso de a autora de Um Jeito Manso ter entretanto respondido a este meu post, insistindo no péssimo hábito de não fazer links. Enfim, sugiro que a autora reveja as suas noções de causa e efeito, porque quem iniciou esta birra não fui eu. Pelo teor da resposta, creio que a prioridade é a restauração da homeostasia no seu egossistema, mas da próxima vez, se pretender discutir algum assunto entusiasmante, como o pseudo-intelectualismo, as teorias do gosto e como se relacionam com o elitismo ou o que quiser, o melhor é usar um link

18
Fev18

"Gente que Trabalha"*


Eremita

Aprecio vários tipos de bloggers, mas só admiro verdadeiramente aqueles que trabalham. Trabalhar é uma condição necessária, ainda que insuficiente. Ora, quase todos os bloggers optam por não trabalhar e escrevem o que lhes sai à primeira, sem amadurecimento nem consulta, num exercício diletante e narcisista. É um direito, mas feitas as contas, quem lê está a perder tempo, pois é sabido que os repentistas de génio migraram para o Twitter. A regra é muito simples e já foi enunciada de inúmeras maneiras: o tempo que quem lê o texto investe na leitura não deve ultrapassar uma ínfima parte do tempo que o autor gastou a escrevê-lo. Ninguém estimou esta relação numérica com rigor - um décimo do tempo de escrita? Um centésimo? - mas sabemos que é da ordem das magnitudes. Daí que a minha grande descoberta de 2016 tivesse sido o blog Homem à Janela, de Alberto Velho Nogueira, onde podemos ler a crítica literária mais radical e original a autores portugueses consagrados, num registo alheio ao elogio fácil e à maledicência caprichosa. Pois bem, após um ano de 2017 sem descobertas macantes,  ainda vamos em Fevereiro, mas anuncio já que o blog de 2018 é Homem-de-livro, de Luís Miguel Rosa (LMR). Em tempos apreciei muito um blog que se chamava Homem a Dias, de um saudoso Alberto Gonçalves (que hoje despacha alucinadas crónicas de consolação no Observador) e não posso excluir uma queda bizarra para blogs com a palavra "homem" no título, mas também por isso é oportuno lembrar que aprecio muito outro trabalhador incansável, o Henrique Manuel Bento Fialho, que escreve no Antologia do Esquecimento, e a malta do blog Ladrões de Bicicleta, que até mostra gráficos originais. Se conhecerem outros blogs (em português, inglês, francês ou castelhano) de gente trabalhadora, avisem, por favor.

 

O mais recente post de LMR é um verdadeiro achado. Quando, num país com apenas 10 milhões de habitantes e dominado pela monocultura do futebol, um cidadão, fora do circuito da academia, é capaz de elaborar uma crítica a um escritor estrangeiro relativamente obscuro como Paul West, há motivos para acreditarmos em nós enquanto povo. No meu caso, a satisfação vem acrescida por ter experimentado durante a leitura do post uma sensação crescente de déjà vu que resolveu em epifania transbordante: nunca antes lera Paul West, mas lembrei-me que, afinal, já conhecia a tragédia dos seus últimos anos (um AVC que o deixou afásico), contada pela sua mulher, Diane Ackerman, numa entrevista a Michael Silverblatt**. O post de LMR deixou-me a mesma impressão com que ficara aquando da audição da entrevista: Ackerman e West dificilmente virão a ser uns dos meus escritores. O ensaio Purple Prose, de West, a que cheguei guiado por LMR, não me fez mudar de ideias: quando West defende um estilo "elaborate without being ornate, ambulatory without being pedestrian", leio as ressalvas como um acto falhado e só me ocorre que se UpDike, a aceitar o veridicto de David Foster Wallace, era “just a penis with a thesaurus”, West parece ser just a thesaurus, o que não deixa de ser problemático e é muito mais aborrecido. Mas o caso não está arrumado. O entusiasmo de LMR fará com que dê a West o benefício da dúvida e inicie a leitura de um dos seus romances. 

 

* Verso de uma canção de Paulo de Carvalho.

** Só durante as leituras para escrever este post me dei conta de que o meu primeiro contacto com Paul West precede a entrevista: o escitor figura como personagem num dos capítulos do livro Elisabeth Costello, de J. M. Coetzee, que li sem inscever West na memória. 

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