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OURIQ

Um diário trasladado

OURIQ

Um diário trasladado

31
Ago17

And now for something completely different


Eremita

O artigo mais pertinente do mês sobre o "politicamente correcto" é este. Para que se perceba a minha posição: não ignoro a existência de uma pulsão politicamente correcta (no sentido de excesso de correcção) que interfere com a ciência, o que me irrita. Também não ignoro que existem católicos ressabiados, anti-comunistas primários, libertários genuínos, libertários de fachada, reaccionários da velha guarda e simples oportunistas que exarcebam este problema, o que me irrita ainda mais. 

29
Ago17

Natureza e sociedade


Eremita

Série "Here we go again"

[Publicado de manhã e modificado a meio da tarde]

 

baby cartoon.gif

Qualquer responsável por uma política de igualdade de género tem a obrigação de conhecer a literatura científica relevante para o assunto, mesmo que seja para a rebater. Deixo-vos um dos mais recentes exemplos de uma longa série de estudos que demonstram que bebés de sexos diferentes têm preferências (provavelmente) inatas diferentes. Este será um ponto de partida melhor do que afirmar que as diferenças entre homens e mulheres (além das diferenças físicas óbvias) são resultado exclusivo da influência do meio, como tenho visto por aí. Mas atenção:  quando, em ciência, se diz que as diferenças são significativas, o termo "significativo" é jargão da estatística, não significa necessariamente que a diferença seja significativa - isto é, relevante - para uma discussão política. Creio que esta distinção é importante e, quando tiver tempo (o montado não dá tréguas), conto desenvolvê-la. 

 

Many studies have found that a majority of boys and girls prefer to play with toys that are typed to their own gender but there is still uncertainty about the age at which such sex differences first appear, and under what conditions. Applying a standardized research protocol and using a selection of gender-typed toys, we observed the toy preferences of boys and girls engaged in independent play in UK nurseries, without the presence of a parent. The 101 boys and girls fell into three age groups: 9 to 17 months, when infants can first demonstrate toy preferences in independent play (N = 40); 18 to 23 months, when critical advances in gender knowledge occur (N= 29); and 24 to 32 months, when knowledge becomes further established (N = 32). Stereotypical toy preferences were found for boys and girls in each of the age groups, demonstrating that sex differences in toy preference appear early in development. Both boys and girls showed a trend for an increasing preference with age for toys stereotyped for boys. Theoretical implications of the findings are discussed with regard to biological predispositions, cognitive development and environmental influences on toy preference.

                                                                                                                                     Fonte

 

Sem pretender transformar o Ouriquense numa RTP2, deixo-vos ainda um documentário muito pertinente. 

 

 

 

 

 

27
Ago17

O "imbecil colectivo"


Eremita

Para a blogger Cristina Miranda, vivemos sob uma “Sharia Ocidental” e, segundo o cronista João Miguel Tavares, existe hoje "uma vigilância que já não se via desde os tempos da Inquisição”; o historiador Rui Ramos diz que caminhamos para uma "Bizâncio antes da conquista muçulmana" e a cronista Inês Teotónio Pereira insinua que quem luta contra a existência de brinquedos para meninas e meninos não se incomoda por aí além com a mutilação genital feminina; o politicamente correcto deixa a jornalista Helena Matos num estado de sobressalto permanente incompatível com a longevidade e, para o sociólogo Alberto Gonçalves, o Index Librorum Prohibitorum acaba de ser actualizado. Esta lista paritária ilustra o nível a que chegou a retórica dos combates verbais em torno da liberdade de expressão. A susceptibilidade libertária dos cronistas do imbecil colectivo* cujo núcleo duro é o Observador está ao nível da dos grupos minoritários que critica, gerando muito ruído, importando polémicas sem eco na nossa sociedade, abusando da hipérbole nos seus sermões para convertidos e fazendo amálgamas que inquinam a discussão, como se posts patetas no Facebook a criticar de um verso de Chico Buarque tivessem a relevância de uma "recomendação" - tão hipócrita como o mafioso "I'll make him an offer he can't refuse" **- da Comissão para a igualdade de Género para que uns manuais de exercícios fossem retirados do mercado. Esta malta ainda não percebeu que é parte do problema que critica ou então não se importa, sendo qualquer uma das hipóteses fascinante. 

 

* Uma expressão do brasileiro Olavo de Carvalho, originalmente aplicada para descrever o pensamento de esquerda "politicamente correcto". A expressão é o título de uma colectânea de textos do autor, alguns subllimes, apesar do tom reaccionário. Existe um pdf do livro gratuito, é só procurar.  

 

** Adenda: Breaking News! A Porto Editora não encarou a recomendação como uma simples recomendação e, como se esperava, o Ministério da Educação diz agora que a decisão de retirar os materiais do mercado é da "exclusiva responsabilidade da editora".  O que surpreende é a Porto Editora estar agora a apostar no papel de vítima da liberdade de expressão, como se houvesse uma segunda oportunidade para causar uma primeira boa impressão. 

 

 

23
Ago17

A febre da política identitária


Eremita

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O último Quo vadis?, a série em que discuto os caminhos por onde o Ouriquense deve seguir, foi escrito há mais de 6 meses. O Ouriquense já quase dispensa uma hiperconsciência e só um motivo de força maior me leva escrever um novo texto para esta série. Eis a motivação: descobri que a série Canhotismo, inicialmente pensada como um texto de ficção cujo principal objectivo era fazer divulgação científica, é, na verdade, sobre outra coisa. Já tinha reparado que recorrer à ficção para fazer divulgação científica diz algo da desconfiança com que encaro este género, menos nos seus propósitos do que nas suas limitações, o que me parece evidente quando se lê um qualquer texto de divulgação sobre física quântica, que apenas fornece uma ilusão de conhecimento, pois estica metáforas e analogias além do permitido, deformando irremediavelmente a realidade. Mas, nos últimos dias, o fluxo noticioso mostrou-me que a série Canhotismo é sobre algo completamente diferente. Não me lembro de um período tão marcado pela política identitária de uma forma multifacetada como o actual.  A causa próxima é a eleição de Trump, obviamente, mas a forma como se manifesta em Portugal não deixa de ser surpreendente. Dizer que a sensibilidade nacional às políticas identitárias está muito polarizada é uma evidência que peca por defeito, pois, a menos que esteja absolutamente comprometido com uma ideologia, é difícil que num indivíduo não convivam sensações contraditórias, isto é, que ele próprio não encarne os pólos da discussão. É por isso que o coming out de uma secretária de Estado, um acto extraordinário e pioneiro entre nós, num segundo instante já nos parece algo anacrónico, como se o entusiasmo do progressista fosse logo coarctado pela rezinguice do reaccionário que com ele partilha o corpo. 

Os especialistas dizem-nos que o PSD ensaia o "populismo" em Loures, pondo os ciganos na sua mira. Um articulista com trabalho académico sobre relações raciais escreve que o racismo deixou de existir nas sociedades brancas ocidentais, semanas depois da notícia daquela que será provavelmente a história de racismo policial mais bem documentada de que há memória e ao mesmo tempo que uma discussão acesa sobre a escravatura chega pela primeira vez aos jornais. Outro articulista diz-nos que as conquistas dos homossexuais estão, essencialmente, concretizadas e que é tempo de avançar para uma sociedade pós-LGBT, sem perceber que imita o Obama que defendia uma política pós-racial e hoje diz ter sido ingénuo (ao contrário do articulista, na altura Obama não poderia ter dito outra coisa). Um director de jornais faz um vídeo a explicar que o sexo é definido pelos cromossomas sexuais, com um vigor didáctico e grande sentido de urgência, como se as ideias de Judith Butler já fossem ensinadas na instrução primária. No jornal de direita, o Observador, metade dos artigos de opinião são críticas à política identitária, que está intimamente associada aos conceitos de "politicamente correcto", "policiamento da linguagem" e "liberdade de expressão", sendo notória nesse jornal a predisposição para transformar qualquer reacção ofendida a uma ofensa num acto censório, como se a liberdade de expressão incluísse o direito a ofender, mas não o direito a ripostar (sem intenção de proibir). Do outro lado, a desconfiança é tal que a acusação de xenofobia, racismo ou homofobia sai com rapidez. Para manifestações de solidariedade basta uma catástrofe; para tornar empática uma sociedade diversificada nas etnias, credos e orientação sexual ninguém conhece o segredo. 

A série Canhotismo é uma sátira sobre a política identitária, que conta a ascensão (e talvez a queda) de Julião, um canhoto que vai sendo dominado por ideias megalómanas de poder político e julga ter descoberto a fórmula de sucesso para vencer democraticamente numa sociedade fragmentada. Julião não promete mundos e fundos, apenas - mas subliminarmente - universalizar o direito à vitimização. Ele é um virtuoso da exploração do ressentimento, que consegue coligar o grosso das pequenas associações em torno da sua própia associação, Canhotos por Portugal, antes conhecida por Canhotos de Portugal, dando origem à Coligação das Minorias (ColMin), o primeiro partido capaz de competir ombro a ombro com os partidos do Bloco Central e que destrói o Bloco de Esquerda e o Partido Popular (mas não o Partido Comunista), transformando radicalmente a política nacional. Porque até um homem branco, alto e saudável, heterossexual e de classe média tem algo de minoritário, um calcanhar de Aquiles a precisar de uma carícia. Basta procurar e essa foi a descoberta de Julião. 

22
Ago17

Le talent


Eremita

Je ne sais pas si vous aurez du talent. Ce que vous m’avez apporté prouve une certaine intelligence, mais n’oubliez point ceci, jeune homme, que le talent – suivant le mot de Buffon – n’est qu’une longue patience. Travaillez.

Flaubert (a Guy de Maupassant) in Le Roman* (de Maupassant). 

* Um ensaio bem fraquinho sobre as obrigações do crítico, a natureza do romance, uma teoria da observação e o estilo literário. Salva-se isto: 

"Pour décrire un feu qui flambe et un arbre dans une plaine, demeurons en face de ce feu et de cet arbre jusqu’à ce qu’ils ne ressemblent plus, pour nous, à aucun autre arbre et à aucun autre feu.

C’est de cette façon qu’on devient original."

21
Ago17

Heróstrato vive


Eremita

Há uns dias, o Público mostrava uma animação do recente ataque terrorista em Barcelona, possivelmente feita por um jovem supervisionado por alguém mais velho que lhe terá sugerido para eliminar os jactos e manchas de sangue. O resultado final é uma quimera estranha, fusão absurda do desejo inato de contar e chocar com o impulso censório pífio de um jornalismo desnorteado, que não resultou na supressão da propaganda do terrorismo mas num branqueamento da violência, como se o acto terrorista se tivesse convertido num vídeojogo. Como relatar os actos infames não é um problema recente. Em 1911 - repito, 1911 - já um criminologista sugeria que não se devia colocar os nomes dos criminosos nas notícias (Podcast de Sam Harris com Gavin de Becker, 2:18:00). É de 354 A.C. a história do incendiário Heróstrato, que ateou fogo ao templo de Artémis em Éfeso com o propósito único de ser recordado para sempre (um feito conseguido), mas as televisões continuam a filmar o fogo e a fazer directos intermináveis de conteúdo informativo nulo, os jornais publicam fotografias belíssimas de incêndios nocturnos que as pessoas "partilham", os media entrevistam vizinhos dos terroristas e mostram as caras e os nomes destes pobres imbecis, numa conivência de classe de quem não ignora o que está a fazer mas parece ter capitulado e se limita a alimentar a sede informativa do público como um dealer estimula o vício da clientela. A grande arma de recrutamento do ISIS não é a internet, como tantas vezes se lê por aí, mas o jornalismo, o que não é propriamente uma descoberta. O mais extraordinário é que nada muda. The show must go on.  

19
Ago17

Patetices


Eremita

João Miguel Tavares foi com a família à Disneylândia dos arredores de Paris e julga-se um "combatente contra o Estado Islâmico", porque houve muitos atentados terroristas em França e visitar hoje Paris só pode ser entendido como um acto heróico que reafirma a nossa crença nos valores da sociedade ocidental. Também eu passei pela Disneylândia este ano, também levei a família, e também regressei a casa orgulhoso, mas foi por ter enfrentado, resistido até ao fim do dia e sobrevivido ao rato Mickey, o que reafirma o meu conhecimento, rudimentar mas útil, de probabilidades e estatística. 

19
Ago17

American exceptionalism


Eremita

Screen Shot 2019-05-02 at 16.37.33.png(pub) Esta bandeira custa 95 000 dólares

Uma excelente conversa entre Marc Maron e David Remnick, o editor da The New Yorker, que recomendo a quem gosta de ver a política norte-americana ser discutida pelos norte-americanos. Porque um dos efeitos do excepcionalismo norte-americano foi ter produzido norte-americanos que são especialistas insuperáveis nos EUA. Não digam isto ao Pacheco Pereira, que iria amuar. 

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