Necrológio: note to self
Eremita

Quando morre alguém que todos admiram menos tu, deves calar-te. Haverá sempre outro melhor e mais justo a morrer nesse mesmo dia, mas nunca instruas os vivos sobre que morte devem chorar. Serias inconveniente e dir-te-iam que és uma besta. Convenhamos que serias mesmo uma besta. Não devemos inquinar a expressão dos bons sentimentos alheios, que são tão raros. Repara: quando morre uma celebridade unanimemente admirada, as pessoas explodem de empatia e parece que se tocam por instantes, como os raios geotrópicos de dois fogos de artifício próximos e síncrones. Não sejas cínico. Não, o choro colectivo por um morto não é apenas a derrareira recompensa de um longo investimento emocional, um sell! sell! de uma marca em acentuada queda bolsista. Até a mais egocêntrica das criaturas te daria a impressão de que as suas preocupações não acabam no seu umbigo, se lesses ou escutasses até ao fim o que disse sobre a relevância da celebridade na sua vida. Em mais nenhum outro momento essa pessoa terá a ocasião de se transcender e, só por isso, a celebridade que desprezas, por lhe faltar talento ou não te parecer sincera, cumpriu uma função. Admite então que este é um problema teu, que deves gerir em silêncio. Naturalmente, podes pedir a Deus, ou fazer figas, para que no dia da tua morte não morra uma celebridade que desprezas. Esse é um anseio tão legítimo e natural como não querer ser morto por uma bala perdida de uma rixa absurda. Quanto ao resto, cala-te.
