Lobotropismo
Eremita
Reunião extraordinária marcada para amanhã. Assunto: 1) como piratear uma cópia do filme Cartas de Guerra, de Ivo M. Ferreira - ética e técnica; 2) o "quem, quando e como" de caiar a nossa parede.
O cineclube, como projecto para dinamizar a vida cultural de Ourique, não chegou a pegar, em parte por falta de apoios camarários. Mas seria desonesto culpar o poder autárquico por um capricho nosso. Cedo percebemos que as nossas sessões ao relento em noite de Lua Nova, com a imagem projectada na única parede imaculadamente caiada entre as poucas do monte que ainda não ruíram, eram demasiado preciosas para as trocarmos por ciclos de cinema no cineteatro da vila e nenhuma avença demoveria o rapaz do cineclube, que se mantém um espírito livre, apesar de hoje se desgastar numa busca por subsídios estatais, patronos e outros contactos úteis à carreira de um jovem cineasta, azáfama precipitada quando cumpriu um quarto de século por talvez ter sentido a efemeridade da existência e avaliado as hipóteses de ser o próximo Miguel Gomes, esquecendo-se de que Miguel Gomes ainda é suficientemente novo para ser o próximo Miguel Gomes.
A escolha de Cartas de Guerra reuniu consenso, embora por motivos diferentes. O rapaz quer tirar medidas ao realizador Ivo Ferreira, o judeu não perde um filme de guerra e eu sofro de um lobotropismo que denuncia uma adolescência vivida nos anos oitenta. Naturalmente, estamos todos predispostos a fazer pontes para as adaptações cinematográficas de três obras do arqui-rival Saramago (A Jangada de Pedra, Ensaio sobre a Cegueira e O Homem Duplicado) e as colaborações entre Agustina e Manoel de Oliveira, e também nos move a curiosidade sobre como terá Ivo Ferreira resolvido a dificuldade que é fazer cinema comercial (isto é, dependente de uma narrativa) a partir de um autor que despreza as histórias. Muito a propósito, leia-se o competente Carlos Natálio e a Sara Figueiredo Costa.
