Uma nêspera no cu
Eremita
Só por inveja ou estupidez não se poderia reconhecer que o podcast Uma nêspera no cu se alimenta de uma grande ideia, que pela sua simplicidade e eficácia nos parece quase ovo-colombiana. Como é que ninguém se lembrou antes de fazer do jogo dos dilemas um grande programa de entretenimento? O programa terá ainda o mérito de ser falado num português vernacular rico em referências escatológicas e sexuais, e sem receio de usar nomes de figuras públicas na composição de cenários embaraçosos. Mas é pena que a noção de entretenimento e um desejo de originalidade algo infantil transformem quase todos os dilemas em situações elaboradíssimas, porém absurdas, versões barrocas de um "preferes uma nêspera no cu ou um dióspiro?", quando se sabe que o verdadeiro dilema não é uma escolha entre dois tipos de dor física, dois tipos de humilhação pública ou dois tipos de abstinência sexual eterna, mas encerra sempre um conflito moral. Ora, o conflito moral realmente angustiante, cuja decisão tende a deixar uma ferida que não mais irá sarar, algo ao nível de A Escolha de Sofia, está praticamente ausente do podcast. Apesar das aparências, "Uma nêspera no cu" é o exemplo acabado da máxima retrógrada de que não se brinca com coisas sérias.
