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OURIQ

Um diário trasladado

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Um diário trasladado

23
Set16

A Gramática Universal (de Chomsky) morreu?


Eremita

noam-chomsky1.jpg

 

Parece que sim, a acreditar neste epitáfio publicado na Scientific American, que atira a Gramática Universal para o caixote do lixo que contém o Materialismo Histórico e a Psicanálise. Afinal, as crianças não nascem com uma gramática inata, mas aprendem as regras gramaticais a partir de um conjunto de competências cognitivas genéricas, como estabelecer categorias, associações e analogias. É inadmissível que, estando as minhas gémeas praticamente a começar a falar, a comunidade científica venha decretar a morte da Gramática Universal de Chomsky. As bebés precisam de alguma estabilidade curricular nesta fase tão crucial das suas vidas. 

22
Set16

Sobre um idiota


Eremita

"A mera lógica do argumento «não somos censura» para explicar a impotência da editora perante o objecto saraivesco implicaria que a Gradiva teria também de não censurar, e consequentemente publicar, as centenas de livros que decerto autores mais ou menos dotados lhe fazem chegar todos os anos. Se os não publica é porque aplica aquilo a que se chama «critérios editoriais», sejam eles financeiros ou literários.
Não havendo contrato, e tendo em conta que não foram considerados quaisquer critérios editoriais no caso em apreço, restam duas hipóteses: a Gradiva ter José António Saraiva no alto gabarito de autor a quem não se recusa uma obra ou ter feito umas contas a quanto podia arrecadar com tão vil publicação. Das duas hipóteses, a última é apesar de tudo a menos danosa para a reputação da editora." Rui Ângelo Araújo

22
Set16

O desafio de Álvaro Laborinho Lúcio


Eremita

19877042_C2M5b.jpegAcabo de receber o vídeo do lançamento do segundo romance de Álvaro Laborinho Lúcio (ALL), enviado pelo moço de recados, em mais uma missão especial à capital. Ao evento compareceu a fina flor da magistratura, nomeadamente a Dra. Francisca Van Dunem, ministra da Justiça, a Conselheira Joana Marques Vidal, Procuradora-Geral da República e o Juiz Conselheiro António Gaspar, presidente do Supremo Tribunal  (creio que a enumeração não respeita o protocolo, mas sou um cavalheiro), bem como outras destacadas figuras da sociedade, como o ex-presidente General Ramalho Eanes e - salvo erro (o vídeo apenas mostra a sua nuca) - o Juiz Conselheiro Ireneu Cabral Barreto, actual Representante da República para a Região Autónoma da Madeira. Presentes estiveram também alguns escritores da nossa praça, como Francisco José Viegas, na qualidade de editor da Quetzal, e Mário de Carvalho, a quem coube a tarefa de apresentar o livro a uma assistência que lotou o salão dos espelhos da Casa do Alentejo. Foi ontem ao fim da tarde. 

 

Mário de Carvalho cumpriu o seu papel. Leu um texto em que elogia o autor e o livro, sobre o qual mostrou ter reflectido. Falou depois ALL. Friso que ALL, além de destacada figura na área da justiça e da cidadania, é provavelmente o nosso melhor orador vivo - e só discordará quem nunca o ouviu falar. Aliás, se refiro apenas os oradores vivos, não é para excluir os grandes tribunos do século XIX, pois estou seguro de que estes não fariam sombra a ALL, mas para deixar de fora o editor Vítor Silva Tavares, recentemente falecido, e apenas porque uma comparação entre a oratória destas duas personalidades nos distrairia. Porque o que interessa confrontar é a oratória de ALL com a sua escrita. Para as pessoas comuns, escrever permite-lhes alcançar um brilho que não atingem quando falam, como se a lentidão da escrita e o rasto que deixa e se pode voltar a percorrer inúmeras vezes permitisse a expressão de uma inteligência mais profunda, esforçada e vigilante, que na oralidade tende a não comparecer e, quando se manifesta, só atrapalha. Ora, no caso dos grandes oradores, importa saber se o acto de escrita tem sobre eles o mesmo efeito transformador que exerce sobre o pensamento do homem comum, pois fica a impressão de que a oralidade destes sobredotados é animada por uma inteligência que não pode ser superada. A dúvida saiu reforçada pelo contraste entre a leitura de Mário de Carvalho, o escritor firmado, e o improviso planeado de ALL, o debutante, pois a eloquência deste reduziu as páginas de Mário de Carvalho a uma mera redacção de bom aluno.

 

A oratória de ALL tem como traço distintivo o longo raciocínio encadeado que, operando até ao limite da capacidade de apreensão do ouvinte, é sempre resolvido no momento certo, produzindo grande efeito, seja uma graça ou outra iluminação. E mesmo quando se socorre de bordões batidos, como o "tenho um grande futuro atrás de mim", ou do aviso costumeiro de que os agradecimentos, parecendo ser de circunstância, são sinceros, ALL consegue uma originalidade e um apuro estético insuperáveis. À forma e conteúdo, ALL alia um tom absolutamente encantatório. Tudo parece ajudar: os finos traços do rosto de homem nobre, o porte, a voz segura mas intimista, as pausas e os ritmos variados com que se vai expressando. Quando alguém diz "para todos vós e para cada um", há quem no meio da multidão se sinta momentaneamente especial. Mas quando, vários minutos depois de ter começado a sua intervenção, ALL disse também "para todos vós e para cada um", muitos se recompuseram na cadeira, subitamente alertados pelo "todos vós" de que havia mais gente na sala e seria impróprio persistir no estado de relaxamento corporal e sorriso beatífico que caracteriza os seres maravilhados. Por fim, mostrando saber que qualquer bom discurso deve ter humor e emoção, ALL cativa-nos com a sua honestidade, a generosidade reiterada e, sobretudo, o seu desejo, puro e ardente, quase como se um adolescente falasse, de um dia ser reconhecido como escritor, não por capricho de fama, antes por devoção à escrita, que não é passatempo de reformado, mas o ofício de quem depois dos setenta anos resolveu construir uma segunda carreira.  

 

Ainda não li O Homem Que Escrevia Azulejos, mas o livro galgou já vários lugares na lista dos volumes que conto ler, mesmo contendo um verbo no título (estatisticamente, um mau presságio) e, a julgar pelas duas primeiras páginas, a prosa ser animada por uma hiperconsciencialização do acto de escrever, havendo o risco de descambar em pós-modernices. Enfim, em defesa do autor, também Cervantes fez dessas experiências e Dostoiévski, n'Os Irmãos Karamásov, começa por mencionar os "críticos [literários] russos". Importa, isso sim, esclarecer a dúvida que apresentei. O risco, para o leitor, parece ser pequeno. Se se superar na oralidade quando escreve, ALL terá feito uma obra-prima. E se não se ultrapassar, o veredicto fica em aberto. Afinal, diz-se que Stendhal ditou A Cartuxa de Parma e não se saiu nada mal

 

21
Set16

O elogio possível


Eremita

A boa poesia, para este filistino que vos escreve, é a que me recompensa do esforço que me exigiu. Segundo este critério, ainda estou indeciso quanto ao valor de Summa Senectutis (recomendado aqui), mas não ter ainda fugido de um blog de poesia é já assinalável. 

20
Set16

A Sibila, de Agustina


Eremita

Notas a desenvolver nas próximas 48 horas:

- Feminismo anti-feminista

- Um tratado sobre a generosidade

- Contra o romantismo

- Pelo capital e pela propriedade

- Como são, afinal, os olhos de Custódio?

- Serias capaz de desenhar a casa da Vessada?

- Misticismo verosímil, sem pitada de realismo mágico

- Um desprezo pelos acontecimentos da época (Revolução de 1910 e Primeira Grande Guerra)

- Um auto-retrato de Agustina, na pele de Quina e de Germa

- Um impressionante catálogo de verbos

- Haverá quem na literatura portuguesa escreva melhor sobre roupa?

- O prazer das teorias contra-intuitivas

- Aforismos eficazes e intemporais versus sentido de humor limitado e datado.

 

17
Set16

Palavras


Eremita

A R., que começou a terceira classe, disse ontem ao jantar "palavra-passe". O meu comentário saiu em tom de reprimenda, violando todas as boas práticas pedagógicas. Para mais, a miúda não tem culpa, limitava-se a mostrar o que aprendera na escola. E para agravar o meu caso, vi depois que os dicionários já consagraram "palavra-passe". Assumo a condenação pelo tom, mas ensaio a defesa da substância, não sem antes ressalvar que não sou um especialista. Não tenho qualquer aversão a contaminações vindas de outras línguas. Há estrangeirismos úteis e até inevitáveis, bem como neologismos resultantes de traduções literais ou menos ortodoxas que podem funcionar. Não defendo sequer um embargo a importações linguísticas quando já existem termos portugueses equivalentes. O critério que sigo não é proteccionista, é absolutamente meritocrático. Ora, existe na língua portuguesa um termo superior a "palavra-passe" (tradução literal de password): a palavra "senha". Na comparação com "palavra-passe", "senha" vence por três motivos: 1) não é uma palavra composta; 2) é uma palavra mais curta; 3) tem um significado mais preciso, pois muitas senhas não são necessariamente palavras mas sim associações de letras, números e outros símbolos, já para não falar das vezes em que são frases, como sucede com a senha mais conhecida de todos os tempos: "abre-te, sésamo". 

16
Set16

Melodia


Eremita

Caminhava pela rua a ler, uma prática que não recomendo aos lisboetas. Relia a Sibila, de Agustina, levantando a cabeça a cada dez passadas. Porém, a prosa por vezes alheia-nos do mundo e devo ter dado mais do que dez passos sem pausa na leitura quando ouvi uma assobiadela curta mas ainda assim melodiosa, como um alerta sonoro de telemóvel escolhido por alguém com bom gosto. Levantei a cabeça e, a menos de três passos, vi um cego que caminhava na minha direcção varrendo o chão com uma vara e perscrutando o espaço mais à frente com um apuro auditivo sobrenatural. Era um daqueles cegos de peles engelhadas no lugar do globo ocular e que não usam óculos escuros. Suspeito que, ao longo dos anos, o cego foi apurando a melodia do seu assobio para alertar e logo encantar os transeuntes encautos, de modo a que quando erguem a cabeça não se distraiam nem assustem com a figura que lhes surge pela frente e imediatamente abram caminho. Assim se passou.

14
Set16

Você tem inveja de Lobo Antunes?


Eremita

Quando era um jovem adolescente, lembro-me da irritação do meu pai ao ler numa entrevista a Lobo Antunes que o escritor, segundo lhe teriam dito, era "a melhor cama de Lisboa". Aquilo ficou-me para sempre na cabeça. Refiro-me à reacção do meu pai, que durante todos estes anos deu boleia à citação, demasiado imprecisa para ser memorável - à época, Lobo Antunes exercia sexo no Estoril, ou seja, seria a melhor cama da Grande Lisboa. Enfim, a capacidade que Lobo Antunes conquistou de irritar toda a gente sem lhes conceder qualquer hipótese de resposta é admirável. Não há muita gente assim em regimes democráticos e meritocráticos, todos têm de prestar contas. O mérito é dele, mas reconheça-se que uma parte não se deve ao seu talento como escritor e sim à inteligência com que construiu a sua imagem pública. Muito antes de Mourinho, antes até de Pinto da Costa, já Lobo Antunes era um especialista dos "mind games", pelas boutades cirúrgicas com que agitava o meio literário. Fazia-o de modo implacável. Por exemplo, ainda jovem lobo, disse que Vergílio Ferreira era o "Sartre de Fontanelas", para, muitos anos depois, reconhecer que o colega tinha talento. Naturalmente, foi um elogio póstumo, pois nem consagrado Lobo Antunes demonstra especial magnanimidade pelos colegas vivos. Quando lhe perguntaram que jovens escritores ele lia, não avançou nenhum nome e justificou-se dizendo que passa mais tempo a reler-se a si próprio. Ora, este grau de egocentrismo é uma carapaça inviolável, que a pouco e pouco foi desmotivando os críticos da terrinha. Podem dizer que é o Faulkner de Benfica, que os romances mais recentes são uma trapalhada de vozes indistintas, que... Não importa, já ninguém quer saber, nem nós, nem ele. Não há na imprensa recente lusitana crítica literária substancial e, a julgar pelas entrevistas sucessivas, o escritor, que vendeu muito do final dos anos setenta até aos anos noventa, atrai mais quando fala do que quando escreve, o que é um preocupante sinal de efemeridade literária. Abundam as entrevistas e escasseia a crítica. Existe uma crítica pontual e apressada sobre algum romance, sem comparação com outros livros do escritor, nem sequer excertos para exemplificar os reparos, como este texto de António Guerreiro, e um ou outro perfil, como este, de Paulo Nogueira. Existe também uma lobo-antunologia, mas que se suspeita ser demasiado comprometida; até que ponto a dedicação da professora Maria Alzira Seixo e dos seus discípulos à obra de Lobo Antunes, vista como objecto de estudo que deve ser valorizado, não gerará necessariamente uma crítica entusiasta? Ao invés do que lhe foi acontecendo em Portugal, nas últimas duas décadas Lobo Antunes ganhou uma dimensão internacional ímpar. Elogiado por pesos-pesados, como George Steiner, Harold Bloom e J.M. Coetzee, percorre os festivais literários do mundo como uma estrela a quem os entrevistadores atiram soft balls para ele maravilhar a plateia com o seu inegável charme, que passa independentemente da competência com que se expressa em inglês, português, francês e castelhano. Resta apenas saber se o mundo, que conheceu Lobo Antunes depois de Portugal, se vai também fartar dele e se a sua obra resistirá à morte do escritor. Seja como for, a sua independência nos últimos 40 anos é absurdamente invejável. Fez o que quis e como quis, com total independência, superando os rivais e pairando sobre os críticos. Não há melhor definição de vida bem vivida e já é tempo de se perceber que as figuras públicas cumprem um papel social importante ao atraírem a inveja que, de outro modo, recairia sobre aqueles que nos são próximos. 

 

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