A fita métrica de Moretti
Eremita
Se vivesse sozinho numa ilha deserta, desprezar o meu aniversário seria um acto de resistência, mas em sociedade desprezar os aniversários - o meu e os dos outros - passaria sobretudo por falta de educação. A verdade é que, tirando raríssimas excepções, sempre me pareceu que nenhum aniversário merece ser festejado até se ultrapassar a esperança média de vida. Afinal, a sociedade quer-se meritocrática. Mas como convencer as minhas filhas desta tese sem lhes explicar o que é a morte? Têm quase onze meses e já me vejo aos saltos, batendo palmas, atirando serpentinas e cantando os hits da Baby TV na festa do seu primeiro aniversário. Sou um fraco.
Os aniversários e todas as séries regulares (férias de Verão, campeonatos do mundo de futebol, jogos olímpicos, etc.) são bons para organizar as memórias, mas a sua previsibilidade acaba por neutralizar o seu potencial como catalizadores de nostalgia ou ansiedade. Os verdadeiros marcos que assinalam a passagem do tempo surgem quando menos se espera. Cumpriu-se entretanto uma década, mas ainda me lembro de quão perplexo fiquei por me ter apercebido que chegara à idade que o meu pai tinha nas primeiras recordações que dele guardo - haverá efeméride mais inesperada e íntima? E há uns dias, iniciada a primeira rotina de férias com as bebés, algo esmagado pela logística dos biberões, mudanças de fralda e vigilância permanente, calculei que quando elas já não quiserem passar férias comigo, nos últimos anos da adolescência, terei mais de 60 anos e uma forma física que me incapacitará para fazer o caminho do Inca e outras aventuras sonhadas. Isto dos filhos obedece a uma artimética simples: por uma persistente ilusão de eternidade, aceitamos picos de agudíssima efemeridade.
