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Galata Morente
A privação cultural a que Ourique me submete é atenuada pelas sessões no cineclube, as emissões especiais do meu enviado à capital e a biblioteca do Judeu. Como a minha própria biblioteca tem sido pouco discutida, há um esforço consciente para censurar referências à biblioteca dele, mesmo sendo a comparação desleal, visto que a minha é uma biblioteca em construção, de tendência minimalista, e a dele já senescente, mas tão ambiciosa que provavelmente não há outra biblioteca pessoal a sul do Tejo tão grande, excluindo a de Pacheco Pereira.
Peguei ontem num calhamaço sobre a arte dos romanos. É um daqueles livros que antes se compravam através do Círculo de Leitores, bons para encher as prateleiras da sala, mas nunca propriamente lidos, apenas folheados, e tão iguais a tantos outros que olhamos para eles como obras anónimas, o que agradará por certo aos seus autores, pois há nesses livros todas as indicações de que são meras oportunidades de negócio para académicos remediados.
Fui folheando da frente para trás, que não só é a forma de folhear mais confortável para um canhoto, como a que melhor frisa o desprezo pelo texto. E fazia-o com tal rapidez que, se as estátuas fossem um pouco mais estereotipadas e tivessem sido fotografadas sempre do mesmo ângulo, a passagem das folhas teria resultado na animação cómica de um tronco másculo estático com braços em rotinas de break-dance. Mas quando dei com Gala Morente, a dança acabou.
Creio já ter referido o critério de demarcação que distingue a heterossexualidade da homossexualidade. É um critério implicitamente tosco, como todos os critérios que forçam a dicotomia, mas que funciona bem como tought experiment e julgo ter colhido ao longo de vários anos abundante evidência empírica de que funciona, embora seja apenas a minha evidência. Enuncia-se assim: perante um corpo do mesmo sexo atraente, no homossexual predominará a vontade de conquistar e no heterossexual a de encarnar.