Moinho
Eremita
Ali da espreguiçadeira, que bom seria levantar os olhos da leitura de um dos romances russos sem sair da sombra do plátano e ver as pás de um moinho a girar. Mas até esta vontade, que nasce enxuta de perversões sexuais e por pura coincidência seria exemplo de consciência ecológica, me está agora negada na sua forma pura. Só se fosse mais novo, rico ou um verdadeiro eremita que não tivesse que conviver com as gentes de Ourique, porque de nada adiantaria frisar que se trata de um desejo perene, fruto de um encantamento por soluções antigas e de um gosto pela Física do liceu. Logo a minha cabeça tratou de engendrar o plano de um furo de água, a construção de um tanque, a instalação de um sistema de rega... Enfim, antes que me desse conta da autocensura, já um pomar de 3 hectares de romãzeiras vingava por ali. Se tudo corresse bem, passaria a ser um pequeno fruticultor, poderia exibir uma fonte de rendimento e justificar a compra de um Aerocondor número 3 para puxar a água do furo com o argumento de que a inércia da armação e o trabalho de parafusos que o eleva a 12 metros de altura desencoraja o larápio habituado a furtar bombas de água nas propriedades mal vigiadas. Mas o que eu queria mesmo era olhar para o moinho, embora goste muito de romãs. Quantos assumem publicamente os seus desejos? E que preço pagam por isso?