Manhãs perdidas
Eremita
A inspiração abandonou-me quando deixei de ter obrigações. Desde que vim para Ourique, nunca mais voltei a ter uma daquelas manhãs praticamente triunfais, mesmo se por concretizar, em que, desperto como se ainda sonhasse, estabelecia de imediato relações pouco óbvias que resolviam problemas antigos de âmbito literário. É quase embaraçoso reconhecer que demorei meia vida a perceber a fórmula para essas manhãs, mas pelo menos a vinda para Ourique deu-me as condições ideais para testar a minha hipótese: que a imaginação, após acumular uma espécie de energia potencial elástica durante o período em que a mente está tomada por tarefas urgentes de que dependem terceiros ou a minha consciência, manifesta-se violentamente na primeira manhã após o cumprimento da tarefa, se não houver nenhum outro compromisso inadiável. Só me resta forjar um compromisso para ver se volto a sentir a explosão criativa matinal que validaria esta tese. Farei o necessário e voltarei para contar.