A caminho do prostíbulo
Eremita

3. Começou como todas as manhãs dos dias em que vou até aos prostíbulos. Combinei de véspera com o Judeu, que me deu as chaves do Citroën para que eu pudesse visitar um amigo. Não creio que o Judeu acredite nesta mentira, mas este é um assunto que não faz parte das nossas discussões. E não adianta tentar reconhecer neste pudor uma consciência judaico-cristã, nem sequer uma repartida em duas cabeças, é mesmo desinteresse da parte dele, que em alguma altura resolveu o problema da libido. Saí em direcção a Castro Verde. Depois iria passar por Mértola, entrar em Espanha e, diante de uma encruzilhada, escolher um dos dois prostíbulos que frequento, demorando-me sempre com requintes de ritual: a colombiana ou a brasileira? Encontro nesta multiplicação geo-cultural da distância algum conforto. What happens in Vegas stays in Vegas e um pecado para lá da fronteira com uma imigrante é ainda menos pecaminoso - o que antes valia para o roubo de uma bisnaga de leite condensado, vale hoje para apaziguar a minha traição.
Como na semana anterior, voltei a cruzar-me com um pequeno bando de abetardas. Foi já depois de passar Castro Verde, numa seara aberta. Se não sou de ver mensagens na simples repetição de um evento raro, desta vez o meu sorriso foi mais tranquilo e quase uma recordação do sorriso da semana anterior. Quem nunca presenciou o voo da abetarda não pode fazer ideia e não há uma metáfora certa que capte tal instante, embora me lembre recorrentemente de "bombardeiros bêbados" e, por vezes, de “bêbados bombardeiros”, que é ligeiramente mais musical. Enfim, não me vou fazer passar por Félix Rodríguez de la Fuente num dia em que fui às putas. A verdade é que nada mais houve a assinalar até chegar perto de Mértola.
Não é o caminho mais rápido para chegar a Espanha, mas se Castro Verde me desperta pela irritação, gostaria de morrer sem alguma vez ter pisado Almodôvar, apenas por capricho, como se houvesse duas formas de integrar um lugar na nossa existência: a convencional, que passa por visitá-lo, e a menos ortodoxa, que passaria por conhecê-lo pela sua silhueta, isto é, visitando tudo em seu redor sem nunca lá entrar. Só por isso passo por Mértola, lugar que já conheço e onde comi a minha primeira sopa de cação, sempre com o curiosidade de saber como teria o peixe chegado do mar até ali. Mértola é uma vila sobrevalorizada, sem a nobreza da banalidade de Ourique, que nunca teve pretensões, apesar da ambição compreensível dos seus autarcas, e que – segundo consta – só figurou no livro As Mais Belas Vilas e Aldeias de Portugal por especial favor.
De Mértola a Castro Marim levo uma hora de viagem, para sul. Castro Marim é a vila de onde vem metade do património genético do guitarrista Paco de Lucia (de Lúcia) e sinto sempre uma emoção especial quando por lá passo, que no caminho é quase uma vergonha e no regresso é já uma redenção.
Entro depois em Espanha e ganho latitude até à San Silvestre de Guzmán. É sempre aí que decido que caminho tomar e quase sempre deixo a sorte decidir, embora me recuse a atirar uma moeda ao ar.