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(pub) A brief history of romance comics
- Estava a olhar para o meu rabo, não estava?
- Sim.
- Pensei que fosse mais de mamas.
- A ontogenia recapitula a filogenia, conhece a expressão?
- Já ouvi isso numa entrevista.
- Bem, em rigor é uma expressão errada, embora útil.
- Você sabe tantas coisas.
- O desejo sexual evolui em regressão filogenética.
- Ai, fica tão sério quando se põe com essas coisas. Devia acreditar em Deus.
- Sou um ateu não praticante.
- Sim, mas se acreditasse em Deus seria mais ligeiro com todos os outros assuntos.
- Agora já é tarde. Não posso acreditar em Deus por ter percebido que dá jeito, certo?
- Também é por isso que não se apaixona por mim. Sabe que sou rica.
- Não diga tolices. Quer que lhe explique a regressão filogenética?
- Quero que goste sempre do meu rabo.
- A mama como característica valorizada no acto sexual é uma aquisição mais recente do que o rabo.
- Mas isso é trivial, está mais longe dos genitais.
- Não é assim tão simples. Há quem diga que tudo começou com a invenção da posição do missionário.
- Uma grande invenção.
- Mas que retirou o rabo do campo visual durante a cópula.
- Você é tão rústico. Nunca esteve num quarto com espelho no tecto?
- É o seu rabo que conta, não o meu.
- Esse sexismo humaniza-o, sabia?
- Aliás, o espelho no tecto favorece esta tese.
- A sua tese, claro.
- Ver o rabo ou recriar um simulacro de rabo, percebe?
- A sua tese é pateta.
- Não é minha. Nem acredito nela.
- Mas decidiu contar.
- Contamos tantas coisas em que não acreditamos, já viu?
- Podíamos também praticá-las, não?
- Não. Posição do missionário, certo?
- Eu gosto de todas.
- Com a posição do missionário o que fica à frente da vista são as mamas.
- Agrada-me. Não diz "seios".
- Só quando discuto estatuária do período clássico.
- Vá, estas mamas à sua frente. E depois?
- A mama terá então evoluído no sentido de parecer um rabo.
- Que grande disparate.
- O rego, está a ver?
- Gosta?
- Do quê?
- Do meu rego.
- Era um exemplo genérico.
- Mas as pessoas acreditam mesmo nisso?
- Algumas pessoas.
- Tontos.
- A verdade é que aprendi a gostar mais de rabos, como os macacos.
- A tal regressão. Ai, fica-lhe tão bem. Vá, regrida mais um pouco. Regrida.
- Ou então foi por causa dos implantes mamários.
- Nota-se muito?
- Você tem?
- Não sabia?
- Não.
- O meu cirurgião é um génio. Quer sentir?
- Seria perigoso. Ainda não regredi completamente.
- Faz-me rir.
- Com os implantes, a mama deixou de ser uma dádiva da natureza.
- Isso é importante?
- A beleza deve resultar da sorte.
- Você sabe o trabalho que me deu ter este rabo?
- É um rabo meritocrático?
- É magnífico.
- Sim. Deixe-me corrigir, então. A beleza deve apresentar-se como fruto da sorte, mesmo que isso seja uma ilusão.
- E se a Tatiana pudesse comprar umas mamas?
- Perdão?
- A Tatiana, aquela reles caixa de supermercado.
- Não fale assim.
- Toda a gente sabe, sabia? Você é patético. E de esquerda. Só acumula defeitos.
- Não seja desagradável.
- É uma tábua, essa sua Tatiana. Até lhe pagava as mamas dela para o ver mais feliz.
- Chega.
- O que você não quer é sujar as suas mãos no luxo das minhas mamas.
- ...
- Não diz nada?
- Espere, estou a apontar.
- A apontar o quê?
- "no luxo das minhas mamas".
- Gostou?
- Muito.
- Ponha o caderninho no bolso. Vamos à aula prática?
- Não.
- Sabe qual é o seu problema?
- É só um?
- Você pensa tanto nas coisas que não pode ser boa pessoa e isso entristece-o.
- Se calhar tem razão.
- Tenho, não tenho?