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OURIQ

Um diário trasladado

OURIQ

Um diário trasladado

31
Dez11

Recherche versus Guerra e Paz


Eremita

Cada faixa é ouvida pelo menos três vezes de seguida. Com o Guerra e Paz, foram raras as vezes em que repeti a escuta antes de avançar. Obviamente, Proust e Tolstói estão de parabéns; eu, nem por isso.

 

Ficha Técnica: a série "Recherche" baseia-se na escuta do audiolivro A la Recherche do Temps Perdu: L'Intégrale (111 CD), que conta com André DUSSOLLIER, Lambert WILSON, Denis PODALYDES, Robin RENUCCI, Mickael LONSDALE e Guillaume GALLIENNEAs citações são retiradas da magnífica edição online da eBooks@Adelaide - e viva a Austrália. 

31
Dez11

Cineclube: revista do ano


Eremita

 

 

 Como dois ou três terão reparado, ando a escrever pouco sobre filmes. A explicação é simples: o rapaz do cineclube desloca-se agora a Lisboa sobretudo para seduzir cinéfilas. Ele descobriu os prazeres de discutir cinema na cama e creio que nos trocou definitivamente, a mim e ao Judeu, por elas. Não há grande margem de manobra para o recriminar. Como prémio de consolação, oferece-nos um relato bastante pormenorizado das suas aventuras.

 

Tudo começou quando uma rapariga topou que ele estava a piratear o El Segreto de Sus Ojos e segredou-lhe pelas costas: "o teu perfil em contraluz lembra o Ricardo Darín". Desde esse instante fundador, o rapaz do cineclube descobriu-se um amante "fora de série" (sic) e é rara a ida a Lisboa que não termina em casa de alguém ou numa pensão. O Judeu chama àquilo, desdenhosamente, "cinema with benefits", mas eu já defendi que, a longo prazo,  a corrente acumulação de experiências sexuais do rapaz contribuirá para o melhorar como dinamizador cultural em Ourique, tanto pela abertura de espírito que um período de controlada promiscuidade induz, como pela probabilidade elevada de alguma das suas amantes vir a singrar na arena cultural lisboeta, tornando-se uma mais-valia cujo contacto interessa à autarquia. Daí lhe ter dito para se despedir sempre com diplomacia e abandonar a mania infantomachona de, entre nós, apenas se referir a elas pela coordenada da cadeira onde estavam sentadas quando as viu pela primeira vez.

 

 - A J4 deu-me o número de telefone, mas não me apetece muito.

- Então apaga-o já - respondi.

- Mas não disseste para as tratar bem?

- Deita o número fora imediatamente. Não lhe vais telefonar nunca, é o melhor tratamento que lhe podes dar.

- Como devolver o achigã pescado à barragem?

- Como devolver o achigã pescado à barragem depois de libertares a sua boca do anzol.

 

 

30
Dez11

Escrever? Para quê?


Eremita

 

 

Cada vez mais, toma-se conhecimento da boutade de Proust sobre a falta de imaginação dos homens que amam as mulheres bonitas como a primeira parte de uma piada recorrente, sempre contada com o entusiasmo de uma trouvaille, em que no remate se lembra que só um homossexual poderia pensar assim. Em tempos idos, esta foi uma boa piada, mas já então a lógica do encadeamento era fraca - e neste pormenor se percebe que o humor não chega para sustentar um pensamento crítico credível, apenas servirá para o decorar. Ora, quem percebe de literatura queer é o Eduardo Pitta, mas arriscaria dizer que, num observador hiperbólico, a orientação homossexual o torna mais capaz de descrever o comportamento amoroso entre homens e mulheres, ainda que o inverso não seja necessariamente verdadeiro. Parte da vantagem não resulta de nunca se vir a ser vítima daquele amor a uma mulher que tende a produzir prosa má, repetitiva e - quando falham as amizades - por vezes até má e repetitiva, porque o homossexual também não está a salvo do desgosto de amor, mas de um efeito de depuração do sentimento de amor no momento da projecção da experiência homossexual no enredo heterossexual. Isto é mais ou menos trivial. A questão é outra: na passagem seguinte, a substituição da tensão sexual  por uma intensa curiosidade, que confere à prosa uma objectividade nos antípodas da norma, é um relato rigoroso das sensações do miúdo na voz do narrador ou, pelo contrário, resulta ainda da sua condição homossexual? Inclino-me para esta possibilidade, como se a homossexualidade associada a uma extraordinária capacidade de dissecar sensações produzisse, na descrição do amor heterossexual, um curioso efeito castrato, isto é, uma combinação da pureza juvenil retida - neste caso, a curiosidade sem mágoa - com o raciocínio de um homem maduro invulgarmente inteligente e perspicaz. E tudo isto com a vantagem de não se cometer qualquer violação da integridade física de inocentes. Viva a literatura. 

Cette fille que je ne voyais que criblée de feuillages, elle était elle-même pour moi comme une plante locale d’une espèce plus élevée seulement que les autres et dont la structure permet d’approcher de plus près qu’en elles, la saveur profonde du pays. Je pouvais d’autant plus facilement le croire (et que les caresses par lesquelles elle m’y ferait parvenir, seraient aussi d’une sorte particulière et dont je n’aurais pas pu connaître le plaisir par une autre qu’elle), que j’étais pour longtemps encore à l’âge où on ne l’a pas encore abstrait ce plaisir de la possession des femmes différentes avec lesquelles on l’a goûté, où on ne l’a pas réduit à une notion générale qui les fait considérer dès lors comme les instruments interchangeables d’un plaisir toujours identique. Il n’existe même pas, isolé, séparé et formulé dans l’esprit, comme le but qu’on poursuit en s’approchant d’une femme, comme la cause du trouble préalable qu’on ressent. A peine y songe-t-on comme à un plaisir qu’on aura; plutôt, on l’appelle son charme à elle; car on ne pense pas à soi, on ne pense qu’à sortir de soi. Obscurément attendu, immanent et caché, il porte seulement à un tel paroxysme au moment où il s’accomplit, les autres plaisirs que nous causent les doux regards, les baisers de celle qui est auprès de nous, qu’il nous apparaît surtout à nous-même comme une sorte de transport de notre reconnaissance pour la bonté de cœur de notre compagne et pour sa touchante prédilection à notre égard que nous mesurons aux bienfaits, au bonheur dont elle nous comble. Combray II

 

Ficha Técnica: a série "Recherche" baseia-se na escuta do audiolivro A la Recherche do Temps Perdu: L'Intégrale (111 CD), que conta com André DUSSOLLIER, Lambert WILSON, Denis PODALYDES, Robin RENUCCI, Mickael LONSDALE e Guillaume GALLIENNE. As citações são retiradas da magnífica edição online da eBooks@Adelaide - e viva a Austrália.

21
Dez11

Ecos de anti-semitismo


Eremita

 

- Foste ver o nome do autor nesse momento ou não?

- Sim, fui. E daí?

- Nada, nada.

- Foi mais pela familiaridade com que ela fez a alusão: "Eco is fascinated by the Protocols".

- Ah, claro.

- A verdade é que bate certo.

- Pois, nós somos primários.

- Mas estás chateado?

- Não, temos séculos disto.

- Só falta dizeres que te morreu um tio às mãos dos nazis.

- Tio-avô. E foi apenas atropelado.

17
Dez11

Tatiana, não é para ti, meu amor


Eremita

A «aparência» como moeda pode ser um conceito revoltante para algumas almas sensíveis, mas decorre naturalmente da beleza enquanto valor. «Belo» não significa «bom», desde os gregos que abandonámos esse equívoco, mas o «belo» é sem dúvida um «bem». Desejamos pessoas fisicamente belas porque reconhecemos uma qualidade naqueles traços físicos que em cada época definem o «belo». O culto da beleza, longe de ser uma patologia, é um sinal de civilização. A atractividade física pode gerar vantagens darwinianas, mas no mundo da natureza a copulação não depende em geral de considerações estéticas. A beleza como factor de atracção, e portanto como critério de escolha sexual, não é uma exigência de primatas, mas uma opção de pessoas numa fase cultural avançada. Uma fase estética, precisamentePedro Mexia

 

Assim se prova que o conceito mais revoltante de beleza não é o da "aparência como moeda de troca", mas o da beleza como emanação do darwinismo. Daí ser necessário a Pedro Mexia construir uma oposição fictícia entre "natureza" e "civilização", que deve pouco ao estado actual do conhecimento e muito ao corporatvismo académico e a um enraizado estatuto de excepção da espécie Homo sapiens, de cariz religioso ou, generalizando, antropocêntrico. Faço notar que esta oposição é mais insustentável do que o clássico nurture versus nature, porque este será um debate eterno, mas que hoje se joga apenas na determinação das partes de variabilidade explicadas pelo inato e pelo adquirido - por outras palavras, nem o mais radical defensor de qualquer dos campos exclui o outro.

 

Repare-se que "reconhecemos uma qualidade naqueles traços físicos" só será uma afirmação esclarecedora quando essa "qualidade" for descrita, de preferência evitando definições circulares. Quanto ao argumento principal dos defensores de um conceito civilizacional de beleza, que surge com discrição na passagem "naqueles traços físicos que em cada época definem o belo", adianto já, antes de me esmagarem com as vénus do Paleolítico e as mulheres pintadas por Rubens, que há critérios de beleza universais, no espaço e o tempo, como um rosto simétrico. Ora, existindo no homem uma competência e apetência inatas para julgar o belo, essencialmente indistintas das dos outros primatas, podemos avançar a tese contrária à de Mexia: o que há de mais civilizado não é o culto dos belos, mas a tolerância aos feios. O resto é animalidade pura, ou seja, não envergonha nem enobrece, é a tal condição*.

 

* O Judeu concordou comigo e relembro que ele leu imensos livros.

 

 

 

15
Dez11

Retrato-robô


Eremita

Devemos tomar ainda por banal qualquer ideia diametralmente oposta a uma ideia banal. Isto vale como regra de base e não como ortodoxia, sendo a explicação muito simples: quando a operação de transformação de uma ideia noutra ideia qualquer é simples, a desconfiança faz sentido, pois as manifestações de inteligência aparente, não ficando ao alcance de qualquer um, passam para as mãos de qualquer pessoa minimamente engenhosa que tenha descoberto o truque - o papagaio, por exemplo, é apenas um bicho que descobriu o truque da reprodução vocal, não o bicho que descobriu a fala com gramática sofisticada, mas, por momentos, ambos podem falar como Winston Churchill. É claro que esta vigilância deve ser tão mais apertada quanto mais importante para nós for a pessoa que produziu a ideia; por outras palavras, este processo ocorre sobretudo dentro da nossa cabeça e vigia  o nosso próprio pensamento. Vem isto a propósito da tão batida autonomia das personagens literárias, pelo menos no nosso país, que é um país à mercê das entrevistas de Lobo Antunes. Não tive propriamente a ideia oposta, o que seria um embaraçoso caso de ignorância  - Nabokov, como é sabido, cultivou a ideia de que o escritor é um tirano para as suas personagens. Mas a ideia que tive não consegue sair deste espectro lobo-nabokoviano e, nesse sentido, é uma ideia suspeita.

 

A verdade é que me cruzei com um cartaz colado à parede que anunciava, pela pose e olhar magnético de um maestro, um concerto de música clássica, algo raro em Ourique, que é sobretudo terra para anunciar touradas e festas de Verão, e vi ali, mas distintamente, como se me lembrasse, o rosto de Guillaume, o compositor em BW. Ora, a personalidade de Guillaume é exacerbada a partir da de um amigo, mas se um fosse posto ao lado do outro ninguém os tomaria por irmãos; os true events no rosto de Guilhaume são apenas as suas expressões genuínas. Para que isso acontecesse...

 

Continua

 

 

 

 

 

 

04
Dez11

Bachelard


Eremita

[actualização]


Resultados de 3 de Dezembro de 2011 (de madrugada e pela calada)

Largado sem impulso de um ângulo de 60º, o baloiço demorou 1 minuto e 43 segundos a imobilizar-se. Quando lubrificado com o óleo do inventor [amostra A6], demorou 8 minutos e 10 segundos. O inventor ficou satisfeito com o resultado e disse-me - outra vez - que conseguirá chegar aos 10 minutos ainda antes do Natal. Acrescentou depois que é tempo de voltar a ler Gaston Bachelard. Transcrevo:

 

- Bachelard. Gaston Bachelard, leste?

- Dava-se no liceu.

- Mas leste?

- Fiz um trabalho de grupo. Já nessa altura a minha relação com os intelectuais franceses era complicada.

- Eu li-o demasiado novo e não percebi nada, mas estou agora em melhor posição para o perceber do que aqueles que nem sequer percebem o suficiente para se darem conta da sua incompreensão.

- É a tua ruptura epistemológica.

- Não digas disparates.

- Desculpa. Foi um comentário à Carlos Magno.

- Algo anacrónico, eu diria. 

- Este ainda é vivo. Carlos Magno, o jornalista...

- Nunca ouvi falar.

 

 


 


 

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