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OURIQ

Um diário trasladado

OURIQ

Um diário trasladado

31
Mai11

Depression is overrated


Eremita

 

As pessoas ouvem o podcast da The New York Review of Books para saber novidades sobre livros. Eu oiço o podcast por causa da voz de Sam Tanenhaus*, que é a de um homem possuído por uma completa e saudável felicidade. Pode ser pose, mas olhem para a fotografia e pensem no assunto. Estou quase sempre a ouvir podcasts com pelo menos dois anos, o que curiosamente os sincroniza com o fulgurante mercado editorial luso de traduções.   As intervenções cirúrgicas de Tanenhaus*, frequentemente inócuas e a revelar uma agenda incompatível com a leitura da maior parte dos livros em discussão, são twits de prazer. Acontece-me ouvir o mesmo podcast duas vezes no mesmo mês e é sempre uma felicidade. Não há desta alegria na Europa. Ou talvez haja, mas circunscrita aos hospícios. Viva a América.

 

"Tanenhaus" e não "Tanehaus": Tanenhaus, Tanenhaus, Tanenhaus, Tanenhaus, Tanenhaus, Tanenhaus, Tanenhaus, Tanenhaus, Tanenhaus, Tanenhaus - o código de cores prova que um não fiz batota com o copy-paste.

 

31
Mai11

Decálogos da planície


Eremita

[actualização]

 

As lições da planície são a série que mais próxima está das entradas de um diário. A única diferença é que, passados alguns meses, só para algumas das entradas consigo lembrar-me do episódio a que fazem alusão. Não há qualquer correlação (positiva ou negativa) entre a persistência na memória da associação ao episódio e a escolha da entrada para as antologias parciais que vou publicando. Depois da primeira recolha, que repesco (série I), é altura de seleccionar o material mais recente entretanto publicado (as séries II e III). A ordem é estritamente cronológica,  é permitido reformular lições e não há a preocupação de evitar repetição de temas em cada série. Pelo contrário, cada série  é uma selecção das melhores lições para o período tratado e não se deve compor um retrato psicológico melhorado à custa de censurar obsessões circunstanciais ou constantes.

 

Série I

 

1. A pornografia começa por ser uma cábula da imaginação e depois passa a um antídoto da memória.

 

2. A honestidade absoluta só é uma virtude para os absolutamente virtuosos.

 

3. Não vale a pena matar um grande amor por uma amizade pequenina. E vice-versa. Mas é duro aprender as duas lições no mesmo dia, mesmo que - e necessariamente  - com pessoas diferentes.

 

4. Podemos amar quem connosco não partilha a língua nativa? Seguramente, mas trata-se de iliteracia.

 

5. Há mulheres com dias de atraso e mulheres que nos atrasam os dias.

 

6. Por causa da regra de um adulto ter sempre de honrar a promessa que fez a uma criança, quando alguém não cumpre uma promessa que fez a um adulto, este reage sempre como uma criança.

 

7. Se tens razão e pretendes acusar alguém na praça pública, é avisado só avançar se fores o primeiro e imperioso fazê-lo se pressentires que serás também o último.

 

8. Uma história de amor não se engrandece retroactivamente pela insistência no desgosto de amor.

 

9. O amor é o único desporto em que se perde por falta de comparência do adversário e em que contestar a decisão só agrava o goal average.  [Futeboliana]

 

10. Só evitarás os impostores se fores muito bom em algum domínio, pois eles serão ainda impostores nos domínios que desconheces.  [reformulada]

 

Série II

 

1. Damos conta do poder da palavra quando todas as outras não chegam para a corrigir.

 

2. A misoginia só se cura com outra mulher.

 

3. O dia de reflexão não deve ser levado demasiado à letra.

 

4. Interessa mais ser verdadeiro do que ter uma opinião sobre a verdade.

 

5. Tal como os pais não devem sobreviver aos filhos, também o desejo da paternidade não deve sobreviver ao desejo de amar. 

 

6. Podemos tirar a semana de trabalho do domingo, mas não podemos tirar o domingo de dentro de nós. 

 

7. A falta de sorte é o ópio dos medíocres.

 

8. Não há sensação mais patética do que um desgosto de amor que não se conquistou.

 

9. Na luta pela liberdade de expressão, idolatramos os mártires virtuosos e os heróis infames.

 

10. Há sempre mais misóginos a morrer do que a nascer.

 

Série III

 

1. As formules de politesse não servem para evitar os conflitos, mas para os resolver.

 

2. Já que não podes diminuir as adversidades da vida, corta nas adversativas da prosa.

 

3. Nunca duvides do amor se não fores umas das partes envolvidas.

 

4. Evita os activistas do activismo.

 

5. Nos compromissos, a precedência tem ascendente sobre a vontade.

 

6. Aprende a abandonar o teatro, se ao deixares o palco saíste de cena.

 

7. Não dês as chaves de casa antes de escancarares as portas.

 

8. Ama as feias, pois serás invejado sem cobiça.

 

9.  A vontade de saber resulta da alegria íntima de aprender e da humilhação pública de errar.

 

10. Quanto mais consensual for a beleza de quem se ama, mais suspeito será esse amor.

 

30
Mai11

The Tree of Life


Eremita

 

A World Wide Web é tão wide e Portugal tão pequeno, que sobre qualquer assunto da actualidade que mereça uma atenção global é muito fácil encontrar online uma opinião que podia ser a nossa. Curiosamente, enquanto louvamos sem reticências o acesso à informação que a web possibilita, tendemos a esquecer o acesso à opinião, que parece ser o dirty little secret do intelectual. Um filão inesgotável de opinião prefabricada tem todas as características de uma tentação - dá-nos uma uma ilusão de saber, mas reproduz o efeito pernicioso da máquina de calcular: a certa altura, deixamos de saber pensar, como as crianças deixaram de saber fazer contas.

 

Há três formas de lidar com esta tentação. A mais radical, difícil e algo estúpida consiste em evitar qualquer leitura antes de termos uma opinião completamente formada sobre um determinado assunto. A mais preguiçosa consiste em devorar todas as opiniões e formar a nossa como se se respondesse a um teste de escolha múltipla. A posição mais sensata, creio, consiste em produzir  de modo autónomo - literalmente unplugged - uma ideia em embrião e usar depois a web para acelerar o seu processo de amadurecimento, identificando a forma para que o nosso esboço de ideia provavelmente iria evoluir. O que penso do último Malick está essencialmente aqui e só acrescentarei alguns pontos que são estritamente idiossincráticos, mas vai demorar uns meses.

 

Continua

29
Mai11

 

 

 UMA SOLUÇÃO PARA AS DESIGUALDADES SOCIAIS

 

 

Meus amigos,

 

Chamo-me Fausto Gomes e todos os domingos darei aqui, neste espaço de liberdade que é o Ouriquense, o meu contributo para um Portugal mais justo e um Interior mais próspero. Decidi começar de um modo que, simbolicamente, cumpre estas duas ambições:  uma ideia de um alentejano para o seu país, que ultrapasse o Alentejo mas não perca o seu cunho fundador, ao ponto de um dia todos dizerem "hoje vivemos melhor por causa do Fausto de Ourique". Porque ao Interior não podemos apenas pedir produção agro-pecuária, turismo rural, energias alternativas e moças saudáveis de faces rosadas. Não. Precisamos de ir das alfaias agrícolas às alfaias do pensamento. Eu quero searas de ideias ao vento e ver em cada ceifeira-debulhadora um think tank.

 

A minha ideia é simples, como é próprio das boas ideias. O comunismo falhou. Falhou porque não estimula a competição, porque limita a liberdade e porque é muito vulnerável a tentações ditatoriais. Mas estas são apenas manifestações do problema de base do comunismo: a  sua  desadequação à natureza humana. Pois bem, a minha ideia resolve esta incompatibilidade. Não tenho um novo esquema de organização da sociedade. Limito-me a propor um tecto salarial para todas as profissões, no Estado e nas empresas privadas. O valor máximo é um detalhe que deixo ao cuidado dos técnicos, embora 10 000 euros brutos me pareça acertado e sonoro. O essencial é explicar a novidade que esta ideia traz e as suas implicações.

 

O problema do capitalismo é o contrário do problema do comunismo: falha por ser excessivamente compatível com a natureza humana. Por outras palavras, o capitalismo não pode funcionar porque os homens são imperfeitos - este argumento convence os críticos do capitalismo, mas também qualquer adepto do pessimismo antropológico. A solução é, em suma, uma síntese: combinar o que o comunismo e o capitalismo têm de bom, deixar de fora o que têm de mau. O actual Estado Social não foi uma síntese feliz.

 

É fácil entender um tecto salarial como uma medida comunista, pois o dinheiro poupado pode reverter para o Estado. Falta explicar a parte de capitalismo da medida. Aqui entra a novidade. Só é possível impor um tecto salarial se houver uma mudança de paradigma. Tal não passa por uma epifania colectiva, antes por ser consistente com a evidência de que, uma vez satisfeitas as suas necessidades básicas, aquilo que move os homens é o prestígio social, uma dimensão que o dinheiro deixa de mensurar em grande parte da escala. Os sinais estão em toda a parte: na profusão de prémios de carreira, de comendas, de títulos profissionais. E nada ilustra melhor a falta de valor real do dinheiro do que o ranking dos milionários que a revista Forbes publica: o que move os homens muito ricos não é o dinheiro, é a competição para ser o melhor. Logo, medir essa competição em dinheiro é, para qualquer sociedade, um mau negócio, que levou a absurdas assimetrias salariais e a uma desvalorização do próprio dinheiro à medida que se sobe na estratificação social. Se é assim, mais vale deixar os homens ricos a competir com dinheiro fictício. Eis o lado capitalista da solução. Até aos 10 000 euros de salário bruto, a sociedade continua a funcionar como até agora - o que não implica cortes salariais para uma vasta maioria. A partir dos 10 000 euros, o salário não deixa de aumentar, mas passa a ser simbólico. A competição não desaparerceia, antes pelo contrário, porque só jogamos monopólio pelo gozo de ganhar. Não só continuaria a haver uma uma Forbes, como o ranking da Forbes ficaria com um fulgor sem precedentes.

 

A ritualização dos combates foi uma das grandes conquistas dos animais e do homem. O capitalismo está assente num combate que falta ritualizar. Só assim se protegerá o valor do dinheiro e se promoverá uma ambição de pendor verdadeiramente humanista, em que a luta por chegar primeiro continua a ser cumprida, mas espezinhando menos. O meu nome é Fausto Gomes e eu aprovo estas ideias.

28
Mai11

Dois Irmãos


Eremita

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

An extract from Elin Høyland's book The Brothers, which observes the relationship between Harald and Mathias Ramen, two brothers living together on a small farm in rural Norway. It records a way of life that has almost entirely disappeared - via A causa foi Modificada , o blog com o universo de interesses mais próximo do Ouriquense.

24
Mai11

No subúrbio


Eremita

 

A frase mais conhecida de Manuel da Fonseca não é grande coisa. Se toda a gente da minha geração se lembra de "Antigamente, o largo era o centro do mundo", não é por a frase ecoar numa qualquer memória de uma infância vivida na aldeia, mas apenas por se tratar da abertura de um dos contos de O Fogo e as Cinzas, um livro que já foi de leitura obrigatória (não sei se ainda é). O que matou o centro da vila de Manuel da Fonseca? A internet? A televisão? Não. Foi a telefonia. Notar que uma referência que nos é antiga está a ser usada como sinal de modernidade vem com propriedades quadráticas capazes de, aos meus olhos, tranformar Manuel da Fonseca num homem de Cro-Magnon que me arrasta para a sua caverna - mas não pelos cabelos, é de mãos dadas.

 

As vilas perderam o centro e ganharam subúrbios. Posso prová-lo, porque me mudei esta semana para um lugar que não é bem vila, não é bem mato, é uma outra coisa qualquer, que está para a geografia como a referência antiga usada como sinal de modernidade está para o tempo: parece que vim para outro país, mas para um daqueles sítios que nunca visitamos; isto não é um lugar, é um interstício. Sinto já saudades do meu quartinho na vila, onde pensar no Manuel da Fonseca  me dava tranquilidade - mesmo aquele Manuel da Fonseca que o Lobo Antunes descreveu, o que já não escrevia. Aqui no subúrbio, quando agora penso no largo e em Manuel da Fonseca, um homem que já era velho quando eu era miúdo, fico com frio; e é um frio verdadeiro, que me faz chegar os braços os corpo e sentir-me finalmente um eremita de verdade. Felizmente, há uma salamandra nesta nova casa.

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