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OURIQ

Um diário trasladado

OURIQ

Um diário trasladado

30
Set10

Tristes tópicos


Eremita

Alguém me perguntava se há mulheres no clube das melhores pessoas do mundo. Há. A misoginia no Ouriquense é praticada com grande moderação. Por exemplo, Alexandra Lucas Coelho está no clube das melhores mulheres portuguesas de sempre (pôr Alexandra Lucas Coelho a competir internacionalmente parece-me tão prematuro como ter o Braga na Liga dos Campeões). Enfim, se de repente a Alexandra Lucas Coelho resolve abrir uma editora, será expulsa do clube, pois corre o rumor  - em círculos algo marginais, felizmente - de que ando a seduzir mulheres para publicar manuscritos. O rumor é tão bom, que dá mesmo vontade de escrever uma história sobre o assunto. A editora seria muito feia (pela verosimilhança), o escritor aspirante seria impotente (para satisfazer o desejo de justiça do leitor, mas enredando-o nas teias da compaixão) e tudo acabaria em bestseller (para acalmar os mercados).

30
Set10

Infinite joy


Eremita

São tantas as imagens e as passagens de Infinite Jest que se instalam na cabeça, que seria estúpido ler o livro em três semanas de dedicação exclusiva e não prolongar o prazer. Esta obra precisa de tempo para render o máximo. O único problema é a comparação com escritores que vou lendo em paralelo. Bolaño? Por amor de Deus... Wallace estava mesmo noutra dimensão. Não vou ao ponto de afirmar que me está a dar mais gozo do que outros autores que li no último ano, como F.S. Fiztgerald (a melancolia da prosa), Chesterton (a elegância da retórica) e Melville (as passagens sobre o cachalote, de longe as melhores descrições de animais de sempre que encontrei na literatura, incluindo descrições de mulheres), mas já vai para semanas que li a entrevista a Hal Incandenza, o primeiro e único encontro quase-romântico de um dos seus irmãos, uma tese sobre o Capitão Furillo, reflexões sobre as três formas de lidar com o (in)sucesso, e o valor no mercado negro da imaculada urina de menino, procurada por aqueles que precisam de passar um teste de dopagem nestes "chemically challenged times". Tudo isto parece ter ficado permanentemente gravado na memória e é a experiência oposta a quando sou exposto a uma anedota, que invariável e imediatamente esqueço. É isso. Wallace transforma todos os escritores medianos e medíocres em anedotas ambulantes. Apetece fazer dele, a título infelizmente póstumo, o segundo melhor homem do mundo (muito perto de Leo Brouwer).

29
Set10

Respeitem os antigos alunos de Isabel Alçada


Eremita

Os Portugueses conhecem-me e sabem que raramente intervenho para influenciar o país. Aliás, nem sequer costumo comentar a política autárquica. Mas perante a declaração de Isabel Alçada, que tantos andam a parodiar, e que é efectivamente patética, impõe-se lembrar o seguinte, que não ajudará o Ministério da Educação, mas protege a minha memória: fui aluno de Isabel Alçada quando andava no Ciclo Preparatório. Foi há muitos anos.  A imagem que guardo é a de uma excelente professora, competente e dedicada, que acumulava ainda o título de sex symbol entre uma população em pleno despontar do sentido crítico para essa dimensão da existência - aliás, Isabel Alçada só perdia para a minha colega C.V., talvez por não fazer connosco as aulas de Educação Física. Tudo isto é factual. Caso seja necessário, estou disposto a abdicar do meu anominato e a testemunhar em sede própria e nos precisos termos que acabei de referir, não para melhorar a imagem da ministra, antes - volto a frisar - para restaurar a eterna vítima da actualidade que é a verdade histórica.

26
Set10

Acautelando uma amizade


Eremita

A minha amizade com Chibanga está bem protegida. Não só ambos gostamos de touradas, como o meu Chibanga é um fantasma. Os fantasmas, apesar do que se vê nos filmes, são entidades tranquilas, porque deixaram de correr contra o tempo. É muito fácil conviver com um fantasma e este nem sequer diz "buu".

 

Conviver com o judeu é muito mais complicado. Não me refiro a pequenos atritos, como quando andei com o carro dele mais de três semanas por Espanha, no rasto de Igor (ver Quem Matou Igor? - um relato ainda em construção). O judeu é uma pessoa complicada, como todos aqueles judeus com excesso de história. Ele por vezes trata-me como se eu estivesse na linhagem de descendentes de D. Manuel I, quando o mais provável é o partilhar um antepassado comum com esse rei que terá vivido antes do guerrilheiro Viriato. Prefiro sempre evitar o confronto e - justiça lhe seja feita - o judeu por vezes até se reconcliia de imediato comigo e diz "mazel tov".

 

Em todo o caso, a conselho de António Figueira, acabo de encomendar isto...

 

 

 

 

 

 

... e o melhor é consumir o livro às escondidas. Não sei ao certo se o judeu é um sionista, mas tem todos os tiques.

 

 

25
Set10

Não sei onde isto vai parar mas pareceu-me um bom arranque


Eremita

Nunca mudar o juízo sobre a escrita por se ter mudado de juízo sobre o seu autor.

 

Com a possível excepção de Paulo Portas e Laborinho Lúcio, que se expressam tão bem como escrevem, quase todas as pessoas são muito mais inteligentes por escrito do que ao vivo. Este diferencial dá um parâmetro que deveria ser, de resto, a medida relativa com que se mede o talento e o investimento que cada um coloca no acto de escrever. É evidente que tal parâmetro ficará inflacionado se a pessoa tiver gaguez, outro problema de fala ou um aspecto que, por capricho frenológico pessoalíssimo e a salvo de censura social, associamos à estupidez, como os olhos muito próximos uns dos outros. Inversamente, o parâmetro subestimará o diferencial de inteligência em pessoas mal alfabetizadas e até em pessoas de gramática impecável e conhecedoras de  mais de um trio de sinónimos por palavra, mas que cometam muitos erros de ortografia. Enfim, se estivermos atentos a estas possíveis perturbações, em regra teremos em mãos um bom parâmetro. É claro que esta afirmação choca com os promotores da teoria das múltiplas inteligências e não é preciso ser um académico para contrapor que um génio da matemática não precisa de ainda viver com a mãe aos 50 anos, estar refém de uma timidez patológica ou sentir uma cascata de suor pelas costas quando fala em público, para ser menos eloquente do que o amolador de tesouras médio  - escolho sempre profissões extintas para não ferir susceptibilidades.

 

Mas mesmo que a apreciação quantitativa falhe, bastará estarmos de acordo quanto à dimensão qualitativa do fenómeno para extrairmos algumas importantes conclusões. Primeira conclusão: as pessoas que apenas conhecemos por escrito tendem a ser mais inteligentes do que aquelas que apenas ouvimos falar. Também aqui há excepções, como os indivíduos que usam o teleponto. Porém, basta evitar uma aplicação cega desta regra para que a mesma não deixe de ser praticamente infalível.

 

(continua)

23
Set10

Tranquilidade


Eremita

 



Esta interpretação ao vivo e por John Williams de um dos mais famosos temas musicais (Cavatina, de Stanley Myers) escritos para um filme (The Deer Hunter) destaca-se do lixo que existe no You Tube. Primeiro elemento de interesse absolutamente consensual: não se trata da minha interpretação preferida, porque Williams é demasiado mecânico e sai-se melhor no repertório barroco, mas foi ele a gravar a versão que se ouve no filme, o que lhe dá autoridade natural - a ansiedade de todos os outros guitarristas que interpretam o tema remonta sempre à comparação com Williams. Segundo elemento de interesse provavelmente consensual: o filme envelheceu de um modo algo bizarro, pois embora Cavatina não seja o único tema da banda sonora, por ser o mais memorável acabou por ficar associado às cenas mais memoráveis e de que não faz parte, que são as de roleta russa. Como são cenas de uma violência psicológica e física incompatível com a beleza e tranquilidade de Catavina, a associação resulta cínica e até diabólica.


Há um terceiro elemento, que é de interesse provavelmente marginal. No final dos anos setenta, com aquele cabelo e ainda sem óculos, de certos ângulos Williams surge com uma nobreza inultrapassável. Fiquei algo surpreendido, embora pudesse ser do adiantado da hora (foi às três da manhã),  porque nunca em entrevistas Williams me pareceu um homem que se destacasse dos outros por algo mais do que uma impressionante técnica de guitarrista e uma longa e brilhante carreira como solista. Só depois percebi e tive ocasião de confirmar. Williams é parecido com Erasmus de Roterdão. Não vou fazer aqui o exercício de exibir as parecenças, porque o Ouriquense não é uma secção de passatempos e não me parece que haja algum interesse alheio neste achado, mas fiquei muito satisfeito e agora posso finalmente adormecer em paz.
23
Set10

Altamente


Eremita

Desde a morte de Igor, tenho evitado Tatiana. É como se sentisse que ela pensa que o matei, embora não haja qualquer evidência de que ela soubesse que eu o desejava matar. E o certo é que não o matei a ele, nem sequer matei o seu presumível assassino. Sim, como se saberá no decorrer de Quem Matou Igor?, não há a certeza de aquela mancha de sangue lhe pertencer. Infelizmente, não me lembrei, quando tive oportunidade, de recolher uma amostra para testar depois uns marcadores genéticos característicos das populações da Ucrânia. Não teria sido possível chegar assim a uma prova com valor legal, mas a um resultado estatístico significativo ou até altamente significativo. Se é verdade que tenho a biologia muito esquecida - foi já há muitos anos -, ainda guardo alguns rudimentos de estatística e creio até que os incorporei no modo de tomar decisões. Se Tatiana, enquanto presumível viúva, me dissesse agora que me amava, assim de rompante, dir-lhe-ia que a sua afirmação não seria significativa, nem sequer altamente significativa. Isto teria gerado alguns equívocos, mas a culpa é do baixo nível educacional da população em geral e também de um recurso muito pouco criterioso aos advérbios de modo, o que leva a que se pense que o "altamente" cumpre uma função vagamente enfática ou apenas serve um estilo (algo juvenil, como se não bastasse), quando na verdade tem um significado numericamente preciso.

 

Nuno Salvação Barreto não desaprova, mas adverte e desafia: "Não basta voltar às raízes, é preciso avançar o enredo. E para quando uma defesa da tauromaquia, seu cobarde?"

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