Na última Ler, Rogério Casanova escreveu que "Portugal teve algumas boas revistas, mas só uma grande revista [a Kappa]". Para fazer prova, oferece-nos um inventário pouco cavalheiresco dos colaboradores que figuram no primeiro número: "Miguel Esteves Cardoso, Vasco Pulido Valente, Carlos Quevedo, Leonardo Ferraz de Carvalho, Rui Henriques Coimbra, Edgar Pêra, Manuel Hermínio Monteiro, Agustina Bessa-Luís, Maria Filomena Molder". Trata-se de uma lista impressionante. Mas esta não será pior: Branquinho da Fonseca, José Régio, Miguel Torga, Vitorino Nemésio, João Gaspar Simões, Adolfo Casais Monteiro, António Botto, Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros e Irene Lisboa. E se a razoável continuidade no tempo da Presença for defeito (54 números entre 1927 e 1940), podemos lembrar antes o elenco do primeiro número do cometa Orpheu: Luís de Montalvor, Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, Alfredo Pedro Guisado, Almada Negreiros, Armando Côrtes-Rodrigues, José Pacheco, António Ferro e Luís de Montalvor. Mas só fiquei chocado até perceber que Casanova faz o elogio da Kappa como revista irreverente e desalinhada do grande jornalismo e da literatura séria. No fundo, para Casanova a Kappa é a única grande revista do grupo das revistas que incluem o Inimigo Público. O que deixa o leitor atarantado é a comparação inicial à New Yorker, mas basta trocá-la pela The Onion para que o mundo fique de novo em harmonia.
O ideal seria ter a Ler nas salas de espera dos consultórios. Como isso não acontece, só compro a revista de 6 em 6 meses. Não sou capaz de comprar todos os números porque sempre que começo a leitura de um só o abandono quando o li por inteiro. Se a leitura avançasse da primeira à última página, com regularidade, num fim-de-semana tinha a empreitada concluída, mas o que eu faço é folhear a revista sucessivas vezes e com um grau decrescente de exigência e motivação. À primeira passagem só me detenho no Casanova, mas folheio até ao fim. A seguir vem o Viegas, e de novo folheio o número do princípio ao fim. Depois o Costa Santos, o Pitta, o Abel Barros Baptista, etc. À vigésima passagem, já depois de antes me ter concentrado na ficha técnica, leio o Reis-Sá. Este método toma-me cerca de um mês. Se comprasse todos os números, a Ler seria uma espécie de diário e é sabido que a concorrência mais feroz aos livros não vem da televisão, nem sequer do sexo, mas sim da prosa sobre livros. É mais uma daquelas contradições estruturais e estruturantes, mas não chega a ser tão escandalosa - pois é bem-intencionada - como quando o jornalismo sério se debruça sobre os tablóides para mais uma reflexão profunda profusamente ilustrada.