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Eremita
Tenho passado os serões em casa do inventor. Adio confrontá-lo com o facto de que a máquina de movimento perpétuo é uma invenção que as leis da física não permitem. Não percebi ainda se esta sua quimera é um modo de vida ou uma penitência. Não parece resultar da ignorância, pois ele tem uma biblioteca bem fornecida e pela forma como se expressa pareceu-me muito inteligente. Diria mesmo que é excessivamente lógico, o que cria um novo paradoxo. Em regra estas pessoas induzem-me uma sensação de profunda desolação, mas ele consegue atrair-me e até deixar-me naquele torpor com que reconheço de imediato quem me faz sentir bem. Quando era adolescente cheguei a tomar esta sensação por atracção sexual, o que me trouxe grandes angústias. É verdade que se trata de uma sensação com uma expressão muito física - chega a subir pela espinha e parece que alguém nos deu uma massagem - mas fiquei em paz quando a experimentei também diante de uma paisagem. Foi como se as acusações de incesto, homossexualidade e bestialismo que me vergavam tivessem de repente sido apagadas. Mas insisto: não percebo mesmo o que me atrai no inventor.