![]()
A América (os EUA) de Dennis McShade é um produto natural dos livros e filmes que o escritor consumiu. Não se trata de um caso raro. A hegemonia cultural da América é tal que se torna irresistível não escrever sobre ela. Dinis Machado nunca cruzou o Atlântico e é com assinalável pudor que McShade evita as descrições. Quando Maynard vai jantar a um pequeno restaurante da Avenida 24, só pode ser em Brooklyn, mas a Nova Iorque de Mão Direita do Diabo vem sem pistas, como se Mcshade pedisse ao leitor que usasse as imagens que já tem sobre a cidade para recriar o enredo do livro. As únicas sugestões acabam por ser os nomes das personagens: Ricky Blake, Cassino, Eddie Piano, Herbie Lawson, Max Gold, Charlie Di Luca, Arteleso, Nick Collins... Cada nome traz consigo um cenário inteiro.
A fórmula de McShade é uma solução para a ausência de uma mais-valia de conhecimento sobre a América, que ele felizmente não tentou colmatar com o estudo dirigido. Este livro preguiçoso, nos antípodas dos calhamaços hiper-realistas esforçados e dos romances históricos de amadores que contratam quem faça trabalho de campo e pesquisa bibliográfica, lembrou-me um comentário de um professor de música que dirigia um coro em que cantei. Falando para os que deviam ter uns dois anos de formação musical, disse-lhes que eram os mais limitados. É fácil perceber que fossem mais limitados do que os de formação mais avançada. Mas como explicar que perdessem também para os iniciados? Simples: embora ainda não fossem fluentes a ler música, o seu primeiro impulso era decifrar a pauta e não, como acontecia com os iniciados, apanhar logo a música de ouvido. McShade tem a inteligência de não querer passar por mais do que um iniciado. Ele apanha a América com o ouvido e a circunstância de nunca lá ter posto os pés salvou-o de uma tentativa soluçante de decifrar a pauta.