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OURIQ

Um diário trasladado

OURIQ

Um diário trasladado

31
Ago08

...


Eremita

 

 

Não encontrei o meu The Painted Bird, pelo que avanço com a obra-prima de Cortázar (mas a "sondagem" prossegue, mais abaixo). Do escritor só conheço alguns contos avulsos - L'autoroute du sud, que mestria - e o volume Historias de Cronopios y de Famas. Rayuela é uma leitura cuja conclusão (conheço as primeiras páginas) adio há uns bons 10 anos, desde que uma amiga me começou a falar deste livro como um daqueles que podem mudar vidas. Não duvido dela, porque lhe aconteceu aos 16 anos. As 37 queremos sobretudo que um livro nos mantenha acordados. Lembro-me que tem percursos de leitura alternativos e sei já que arranca com uma cena no Parc de Montsouris, o meu jardim parisiense preferido. Tenho dificuldade em perceber por que motivo não continuei antes a leitura, havendo tal afinidade, mas na altura vivia em Nova Iorque e estava refém de múltiplas solicitações - uma das vantagens de ter lá vivido é que basta deixar uma sugestão e depois quem nos ouve ou lê constrói sozinho o essencial da mentira. Aqui em Ourique darei conta do livro antes de Outubro. A janela está aberta, a casa fresca, bebi duas minis, comi pão com queijo e gaspacho. O papel grosso do meu volume da  Biblioteca Cortázar é de apreciável prazer táctil.  Boa noite. 

31
Ago08

As fitas de Lisboa em tempo real


Eremita

 

 

Cineteatro já não vive só de Bruce Lees, mas não nos dá ainda todo o cinema. Quando ontem abandonava a sala depois de ver aclamado (?) Batman, já tarde, seriam talvez umas 23:30, fui abordado por um rapaz com uma discrição tal que julguei querer ele vender-me haxixe. Foi num constante registo de sussurro que me peguntou se estaria interessado em quotizar-me para ver  "as fitas de Lisboa em tempo real". O "tempo real", presumi bem, significa ver os filmes em Ourique enquanto estão em cartaz em Lisboa. Fiquei curioso, pois a proposta parecia-me mirabolante, e apenas me entusiasmei quando na oferta para esta semana vi que figuravam todos os 3 filmes que seguramente teria visto caso me encontrasse em Lisboa. O esquema é simples: por 5 euros mensais tenho direito a um livre-trânsito para a sala de cinema que este rapaz gere na clandestinidade. As sessões são sempre à meia noite e o lema da casa é nunca repetir um filme - "nem mesmo o Citizen Kane". Tudo isto me pareceu para lá de Cine paradiso e no caminho para a sala, ainda sem me ter comprometido, dei comigo a imaginar com muito pouco rigor um cinema ao relento, nos arredores da vila, cinco filas de desengonçadas cadeiras sobre o restolho orientadas para uma alta parede caiada e com algumas fissuras, que envelheceriam o rosto de Penélope Cruz e fariam de Tommy Lee Jones um mostrengo. Nada disso, claro. A clandestinidade obriga o rapaz a projectar as "fitas" num armazém onde creio ter encontrado a vanguarda de Ourique. Receei uma politização excessiva, mas duas raparigas muito bem vestidas e perfumadas tranquilizaram-me e os únicos problemas imediatos pareceram-me ser o excesso de fumo, que a luz do projector exagerava, e a péssima qualidade do som e da imagem. "Este saquei-o ontem do cinema King", disse o rapaz com orgulho, como se o filme fosse pescado. Tratava-se de Aquele querido mês de Agosto, película cuja leitura de Silvestre, Mexia e Lavos me despertara o interesse. O rapaz -por razões óbvias não o nomeio e por imperativos de estilo não trato por "Alfredo" - convidou-me a ficar: "Oferta da casa. Depois decide". Decidir o quê? É verdade que a película do rapaz  capta também o cabeceio e a grotesca risada da intelectualidade lisboeta na noite de sexta passada, pois o que ele faz, à terceiro mundo, é filmar a projecção da plateia, mas foi a minha melhor noite desde que aqui cheguei. O filme, belíssimo, de uma inteligência, humor e despretensiosismo raros, deixou-me tão bem disposto que - imaginem - me apeteceu depois conviver com os restantes espectadores. Saí a tempo, mas não sem antes adiantar ao rapaz 30 euros. Quando penso que julgava não me aguentar aqui mais do que um mês...

 

Osvaldo Silvestre esgota e até acrescenta, na sua crítica. Resta-me apenas assinalar o papel do único trecho que não é de música de bailarico e de como foi judiciosa ou acidentalmente feliz a escolha de música barroca, pois a música romântica ou contemporânea não funcionaria tão bem como elemento legitimador, por contraponto, da restante "banda sonora" ou, se se preferir, "texto sonoro". A verdade é que a música barroca, intrinsecamente bela e complexa, naquele contexto nos soa deslocada, como se subitamente fôssemos obrigados a reconhecer que o popularucho, desde o primeiro fotograma recebido com simpatia mas inegável condescendência,  acaba por nos conquistar, o que volta depois a ser frisado, desta vez sem contraponto e apesar de a cena de acção que então decorre estar muito mal filmada, com as belíssimas imagens de um incêndio ao som pimba. Uma nota final para o falso blooper do técnico de som - o homem do "coelhinho" - com excesso de zelo, que remete obviamente para o jogo de som e imagem que Silvestre destrinça mas que vale também, isoladamente, como um dos momentos mais hilariantes do cinema português que conheço, com aquela característica indefinível mas reconhecível de uma cena de culto.

 

31
Ago08

Ars amatoria


Eremita

 Odi concubitus, qui non utrumque resolvunt. Hoc est, cur pueri tangar amore minus. 

 

 Ovídio

31
Ago08

...


Eremita

 

 

 "To the happy few"

 

 

A Cartuxa restituiu-me o gozo da leitura jeux de rôle que nenhum dos escritores da moda consegue induzir,  embora não com a intensidade irrepetível que experimentei com Robinson Crusoe e com a particularidade de ter reencarnado personagens sucessivas: primeiro Fabrício, depois a duquesa, e por fim o conde Mosca. Mosca, que com pena minha vai perdendo protagonismo, é a única personagem que não é corrompida pelo amor e o herói tranquilo de um livro de final precipitado - Stendhal aborreceu-se -  que atinge o clímax demasiado cedo, com o amor de Sanseverina por Fabrício, e depois não tem por onde ir. A subsequente paixão de Fabrício e Clélia nunca arrebata, apesar de servida por raras qualidades cénicas - ele aprisionado na torre Farnese, ela filha do carcereiro, ela depois impossibilitada de o ver por uma promessa à la Madone e o amor proibido deles a acontecer durante anos numa literal penumbra - e pela tragédia - a morte do filho de ambos e depois de Clélia é tão pífia que o leitor se sente desalmado.  

 

Apetece deixar aqui inúmeras citações de fina ironia - sobre os italianos, sobre a nobreza, sobre o jacobinismo, sobre os cortesãos - ou especular se as apenas 45 referências a vingança* num romance de 500 páginas sobre paixões e poder são um testemunho da crença de Stendhal no homem, ou ainda comentar a curiosa forma de traduzir "se disait-il" para "de si a si", que, não estando errada, torna as reflexões na tradução portuguesa ainda mais cómicas e teatrais,  mas tenho preguiça e opto por terminar, também algo aborrecido, com duas peripécias de leitura. Dir-se-ia que ter feito da duquesa condessa, há uns dias, foi premonitório por acidente, pois a Severina, ao casar com o conde Mosca, acaba mesmo condessa. Outro frutuoso acidente foi ter treslido uma frase que antecipa o desfecho da fuga de Fabrício da prisão e que me parecera deslocada por retirar tensão ao relato subsequente, que li convencido de que o nosso herói não iria ser bem sucedido. Como ele consegue na verdade escapar, experimentei um volte-face digno de um  escritor de aventuras melhor do que Stendhal realmente é. 

 

 

 

 

 

 

Prossigo com:
Rayuela?
The Painted Bird?
 
 
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  * "Je croirais assez que le bonheur immoral qu'on trouve à se venger en Italie tient à la force d'imagination de ce peuple; les gens des autres pays ne pardonnent pas à proprement parler, ils oublient". (cap. XXI)

 

30
Ago08

...


Eremita

Estou aqui há um mês. A solidão tem sido relativa. O meu irmão passou duas vezes por Ourique, continuo a falar ao telefone uma vez por semana com os meus pais (a minha mãe até me enviou um sms com um trocadilho inspirado) e reencontrei o J. por acaso. Mas não fiz amigos na vila e nenhum dos locais me reconheceu, o que me faz pensar que, de algum modo, respeitei a condição que me impus. Como chego a conclusões por instinto e quando menos espero, usando o depois o encadeamento lógico de frente para trás, não tenho propriamente meditado. Como o misticismo e a espiritualidade me aborrecem de morte, não consigo mergulhar a sério no sobrenatural. Como o dinheiro da herança me permite levar esta vida regrada até 2025 (fiz as contas no Excel e inclui a inflação), não me posso armar em Luiz Pacheco e passar metade do tempo a contar os tostões e a inventar esquemas de sacar mais uns. Sobra pois muito pouco para fazer aqui, porque também uma existência exclusivamente onanista não me basta e tenho algumas manias que são empecilhos ao prazer. Sentir-me-ia impuro se usasse a imagem de Tatiana para me satisfazer em casa, sempre gostei de pedir autorização antes e nem sequer nos cumprimentámos. Também não gosto de caçar e fazer tiro aos comprimidos já não é o que era porque perdi entretanto a distância certa - se estou perto não falho um, se me afasto um pouco acertar  é sempre um puro acaso, como se disparasse com uma venda nos olhos. E se é verdade que adoro pescar, devemos aceitar que a pesca é  a ritualização do próprio aborrecimento. Sobra a leitura, claro. Hoje acabo a Cartuxa e conto daí retirar algum gozo. Tenho debicado noutros livros ao mesmo tempo, já à procura de um para entremear nos clássicos (ou seja, uma preparação para  o War and Peace): o L'Erotisme, do Bataille, La Femme Indépendante, da Beauvoir, o Photomaton & Voz, do Herberto Helder, o Painted Bird, do Kozinsky - e como me custa retomar o Painted Bird, com o seu inglês apátrida. Mas são subterfúgios, concluo que me faz falta a confusão das relações humanas. Preciso mesmo de um emprego, as pessoas ficam maravilhosamente patéticas em ambiente laboral, sinto falta desse teatro dos dias úteis. Também não diria que não a uma paixão, é preciso destronar a outra, que é crédito mal parado. E preciso de fazer obra. No fundo, sou um homem de acção, o que me deixa prostradíssimo.

28
Ago08

...


Eremita

Só a blogosfera me deixa conformado com o facto de Rogério Casanova não escrever no Diário do Alentejo. Será assim enquanto o Pastoral Portuguesa existir. O Casanova não é só o melhor a escrever sobre futebol. Casanova é uma espécie de Martin Amis lusitano, ele é o melhor a escrever sobre qualquer assunto. Topei logo no estilo do Casanova um total descomprometimento, mesmo quando acusa uma obsessão. Não se trata de cinismo, é inteligência pura, que nos deixa também a salvo das suas angústias. Torna-se assim praticamente impossível apanhar o Casanova em falso, mesmo quando ele escreve enormidades sobre música. Não o invejo, mas gostava que um filho meu fosse a pessoa que a sua escrita aparenta, pois estaria sempre a salvo de um desgosto de amor violento. Quanto ao Expresso, aqui em Ourique o homem da loja deixa-me ver se ele escreve antes de decidir se compro a edição e ainda me dá tempo para ler o Veríssimo - o génio do Casanova será dado oficial quando este semanário se vir obrigado a plastificar a edição. Nem quando vivia em Lisboa cheguei a conhecer o Casanova. Deve ser homem para quarenta e tal anos, gordo, de cabelo grisalho, com poucos amigos e ainda o mais-que-tudo de sua mãe. 

28
Ago08

...


Eremita


 

Numa entrada anterior, tratei a duquesa por condessa. Não quero fazer disto um acto falhado que aponte para um desejo inconsciente de plebeização desta fascinante mulher a fim de a transformar num objecto de desejo concretizável, e nem sequer é pela reserva que o Freud popular me merece, é mesmo por não ter presente a hierarquia dos títulos nobiliárquicos abaixo de "príncipe", não podendo pois na altura em que cometi o erro saber se a estaria a despromovê-la ou a afastá-la ainda mais do meu patamar social. A verdade é que esta duquesa domina cada vez mais o romance. A forma como anuncia a sua separação do conde de Moca, cruel e franca - em diametral oposição ao que numa crónica recente de Lobo Antunes é definido como uma ruptura à gajo - desperta menos a compaição pelo duque que o desejo algo masoquista de estar no seu lugar e poder também ser vítima de tamanha prova de desamor. Uma coragem implacável seduz e assim se cria um ciclo de retroacção positiva capaz de levar ao desespero. Insisto: temeria pelo futuro do duque se não tivesse ficado ainda mais encantado com a duquesa.


"- Séparons-nous, mon cher comte, lui dit-elle d'une voix faible, mais bien articulée, et quelle s'efforçait de rendre aimable, séparons-nous, il le faut! Le ciel m'est témoin que, depuis cinq ans, ma conduite envers vous a été irréprochable. Vous m'avez donné une existence brillante, au lieu de l'ennui qui aurait été mon triste partage au château de Grianta, sans vous j'aurais rencontré la vieillesse quelques années plus tôt... De mon côté ma seule occupation a été de chercher à vous faire trouver le bonheur. C'est parce que je vous aime que je vous propose cette séparation à l'amiable, comme on dirait en France.


 Le comte ne comprenait pas; elle fut obligée de répéter plusieurs fois. Il devint d'une pâleur mortelle, et, se jetant à genoux auprès de son lit, il dit tout ce que l'étonnement profond, et en suite le désespoir le plus vif, peuvent inspirer à un homme d'esprit passionnément amoureux. A chaque moment il offrait de donner sa démission et de suivre son amie dans quelque retraite à mille lieues de Parme.

 - Vous osez me parler de départ, et Fabrice est ici! s'écria-t-elle en se soulevant à demi.

 Mais comme elle aperçut que ce nom de Fabrice faisait une impression pénible, elle ajouta après un moment de repos et en serrant légèrement la main du comte:

 - Non, cher ami, je ne vous dirai pas que je vous ai aimé avec cette passion et ces transports que l'on n'éprouve plus, ce me semble, après trente ans, et je suis déjà bien loin de cet âge. On vous aura dit que j'aimais Fabrice, car je sais que le bruit en a couru dans cette cour méchante. (Ses yeux brillèrent pour la première fois dans cette conversation, en prononçant ce mot méchante.) Je vous jure devant Dieu, et sur la vie de Fabrice que jamais il ne s'est passé entre lui et moi la plus petite chose que n'eût pas pu souffrir l'oeil d'une tierce personne. Je ne vous dirai pas non plus que je l'aime exactement comme ferait une soeur, je l'aime d'instinct, pour parler ainsi. J'aime en lui son courage si simple et si parfait, que l'on peut dire qu'il ne s'en aperçoit pas lui-même, je me souviens que ce genre d'admiration commença à son retour de Waterloo. Il était encore enfant, malgré ses dix-sept ans; sa grande inquiétude était de savoir si réellement il avait assisté à la bataille et dans le cas du oui, s'il pouvait dire s'être battu lui qui n'avait marché à l'attaque d'aucune batte rie ni d'aucune colonne ennemie. Ce fut pendant les graves discussions que nous avions ensemble sur ce sujet important, que je commençai à voir en lui une grâce parfaite. Sa grande âme se révélait à moi; que de savants mensonges eût étalés, à sa place, un jeune homme bien élevé! Enfin s'il n'est heureux je ne puis être heureuse. Tenez, voilà un mot qui peint bien l'état de mon coeur; si ce n'est la vérité, c'est au moins tout ce que j'en vois.

 Le comte, encouragé par ce ton de franchise et d'intimité, voulut lui baiser la main: elle la retira avec une sorte d'horreur.

 (...)

 - Que vais-je devenir? lui répétait le comte moi qui sens que je vous suis attaché avec plus dé passion que les premiers jours, quand je vous voyais à la Scala!

 - Vous avouerai-je une chose, cher ami, parler d'amour m'ennuie, et me semble indécent. Allons, dit-elle en essayant de sourire, mais en vain, courage! soyez homme d'esprit, homme judicieux, homme à ressources dans les occurrences. Soyez avec moi ce que vous êtes réellement aux yeux des indifférents, l'homme le plus habile et le plus grand politique que l'Italie ait produit depuis des siècles.

 Le comte se leva et se promena en silence pendant quelques instants.

 - Impossible, chère amie, lui dit-il enfin: je suis en proie aux déchirements de la passion la plus violente, et vous me demandez d'interroger ma raison! Il n'y a plus de raison pour moi!

 - Ne parlons pas de passion, je vous prie, dit-elle d'un ton sec.

 (...)

 "Rappelez-vous, ajouta-t-elle en changeant de ton et de l'air le plus impérieux, que je ne suis point trop affligée de l'enlèvement de Fabrice, que je n'ai pas eu la moindre velléité de m'éloigner de ce pays-ci, que je suis remplie de respect pour le prince. Voilà ce que vous avez à dire, et voici, moi, ce que je veux vous dire: Comme je compte seule diriger ma conduite à l'avenir, je veux me séparer de vous à l'amiable, c'est-à-dire en bonne et vieille amie. Comptez que j'ai soixante ans; la jeune femme est morte en moi, je ne puis plus m'exagérer rien au monde, je ne puis plus aimer. Mais je serais encore plus malheureuse que je ne le suis s'il m'arrivait de compromettre votre destinée. Il peut entrer dans mes projets de me donner l'apparence d'avoir un jeune amant, et je ne voudrais pas vous voir affligé. Je puis vous jurer sur le bonheur de Fabrice, elle s'arrêta une demi-minute après ce mot, que jamais je ne vous ai fait une infidélité, et cela en cinq années de temps. C'est bien long, dit-elle; elle essaya de sourire; ses joues si pâles s'agitèrent, mais ses lèvres ne purent se séparer. Je vous jure même que jamais je n'en ai eu le projet ni l'envie. Cela bien entendu, laissez-moi." (cap. XVI)

 

 

 

 

27
Ago08

...


Eremita

 

 

Preciso urgentemente de um emprego. Se até ser escritor de viagens de verdade é mais um passatempo que uma profissão a sério, o que será fingir ser um escritor de viagens? De resto, não tive resposta da Volta ao Mundo e não me apetece ir pelas cunhas. Talvez a solução seja apresentar algum trabalho. Hesito entre um Coast to coast nos EUA e uma peregrinação a Santiago de Compostela com partida da torre de St. Jacques, em Paris. Mas fica por resolver o problema do emprego. Só o trabalho me liberta, é embaraçoso reconhecê-lo. Ainda agora, ouvia o Prelúdio #2 em Dó menor do Cravo Bem Temperado e fiquei com uma vontade irreprimível de trabalho braçal. Carimbar freneticamente também seria solução. Que música tão absurdamente laboral, o Prelúdio #2. Ignoro se Bach escreveu a obra pela ordem com que aparece organizada, mas dir-se-ia que cedo deu conta da empreitada e precisou de compor algo que lhe desse ânimo para não desistir. É um super-poder isto de ser auto-suficiente na produção daquilo que nos dá alento. Bem, como tenho formação superior, talvez consiga empregar-me na câmara de Ourique. 

27
Ago08

...


Eremita

 

 

Vários problemas: tem sido difícil manter um ritmo verosímil. Por mim, o Igor já estaria debaixo da terra e a Tatiana debaixo dos meus lençóis, o maluco  - Inácio, fica já com este baptismo sumário - da máquina de movimento perpétuo teria feito a sua entrada, porque estou em pulgas para escrever sobre a megalomania e a criatividade, e haveria uma personagem no café com retrato psicológico já traçado e aturada descrição da sua genealogia até meados do século passado, para chegar tangencialmente ao Mira da velha taberna. Quanto aos outros fantasmas, o Honório, a minha Emília e o Luís, já todos teríamos jantado. E com o Chibanga teria já dado passeios ao luar no campo pelado do Ourique Desportos Clube, que é mais novo do que eu (foi fundado em 1976) mas parece também um clube fantasma. A ideia de meter o Chibanga no pelado e ao luar é boa, mas convém não abusar do realismo mágico, que é coisa datada e só resulta nas pessoas que não leram os melhores livros. Sinto grande urgência em conhecer a Tatiana mas a arte aqui é passar essa urgência para o leitor e adiar por mais uns dias o atropelamento de Igor. Só mesmo este ansiolítico: Igor não terá morte imediata e estrebuchará no caminho para o hospital, um bom pretexto para discutir as políticas de saúde do antigo ministro Correia de Campos e fazer chegar ao Ouriquense a contemporaniedade pela porta da intemporalidade. Belo remate - vou até tirar a caixa de comentários para não me elogiarem.


 Nota: fotografar mais paredes decadentes, já me vi obrigado a reciclar uma das fotos.


 Nota adicional: e se eu fosse de direita, não neste registo mas na vida real em Ourique? É verdade que ainda não explanei um "pensamento político" e escrever como alguém de direita seria uma forma fácil de chegar a um estilo feliz, de provocar e de criar um contraponto ao discurso que pratico em itálico. O Ouriquense não ficaria apenas pela intemporalidade, poderia reclamar  para si a própria totalidade (isto diz-se?). Nada de caricaturas. Nada de ressuscitar um Kaúlza de Arriaga, porque isso me impossibilitaria de desenvolver uma amizade com Chibanga e esse é o eixo central do Ouriquense (Tatiana é só uma paixoneta). Raios, isto começa a ficar muito complexo e qualquer dia até troco a tábua de salvação por uma tábua de personagens. 


 Nota à nota adicional: para disfarçar o ridículo, a entrada de Inácio tem carácter de urgência.

 

 Nota final: esconder a felicidade que é viver em Ourique, porque não seria credível e porque tenho ambições literárias. 

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