Um arranque engripado
Eremita
Estamos em pleno processo de leitura de A mecânica da Ficção, a tradução portuguesa de How Fiction Works, do crítico James Wood. A razão para ler o livro em português deve-se ao tradutor, que é Rogério Casanova, o nosso sensei. Aliás, segundo a escala Vasco Graça Moura, um parâmetro que mede a importância do tradutor segundo uma fórmula complexa que quantifica o rácio do tamanho de letra dos nomes de autor e tradutor, bem como a posição relativa de ambos na capa, Casanova estreia-se com um auspicioso 0.25 (o máximo matemático é 1, embora haja relatos apócrifos de que Vasco Graça Moura tem uma edição com um score de 1.3). Isto só pode significar que Casanova começa a ser o sensei de muita gente, o que é positivo.
Até ao momento (página 25), retiro duas conclusões. A primeira: em português consigo velocidades de leitura estonteantes; só agora me dou conta de que a decisão de ler no original toda a ficção publicada originalmente em inglês, francês e castelhano terá um impacto negativo no número de obras que terei tempo de terminar em vida. A segunda: James Wood faz aquele truque fácil de caricaturar os tiques dos académicos para ganhar a simpatia dos leitores (isto a propósito das notas de rodapé). Infelizmente, Wood também parece querer evitar algo em que os académicos são particularmente cuidadosos: honrar os antecessores. A ideia que Wood quer passar - a de que há poucos livros como o que ele escreveu - é falsa. Para a defender, o autor refere-se apenas a Forster, Kundera, Shklovsky e Barthes, arrumando o primeiro com o comentário de que Aspects of the Novel está datado, o segundo por ser sobretudo um romancista e não um crítico e os dois últimos por não escreverem para o "grande público". Francamente, como diria Lebowski: "Yeah, well, you know, that's just, like, your opinion, man". Mais irritante ainda é reparar nos autores que ficam de fora. Até eu, que não domino esta literatura, me consigo lembrar logo de dois livros: On becoming a novelist, de John Gardner, e The Art of Fiction, de David Lodge. Outros haverá , entre o largo espectro que vai das recomendações de Stephen King sobre a mobília a ter na sala onde se escreve à mais críptica refutação do pós-estruturalismo pela defesa de que o autor, afinal, estava escondido na lombada e não chegou a morrer.