Na barragem
Eremita
Vi o Jaime na barragem do Monte da Rocha. Estava montado sobre uma prancha e o seu peso submergia a rabeta e erguia o bico. Preferi não me aproximar. Não devemos tentar perceber o que leva Jaime a surfar numa barragem. Diz-se que ele chega a passar horas na mesma posição e que os achigãs lhe beijam os pés. Não duvido que Jaime se apercebe do ridículo que é esperar por ondas numa barragem, mas desconfio que ele não tem ideia do estilo que se pode forjar a partir de um projecto impossível e de todas as suas implicações - digamos - filosóficas , ao contrário do judeu, que tira um prazer lúcido da perseguição à máquina do movimento perpétuo. São criaturas antagónicas. O judeu é inteligente e distraído. Jaime é praticamente idiota, mas tem uma memória fotográfica extraordinária. Se ainda não relatei as suas 24 horas em Lisboa foi para lhe fazer justiça - não quero falhar nenhum detalhe e pergunto-lhe quase todos os dias sobre aquele dia bizarro.
Fiquei a contemplá-lo até ao crepúsculo. Por algum motivo, a imagem de um surfista no meio da barragem à espera de uma onda tranquiliza-me. Lembrei-me depois de Deepo, a ave de cimento de John Difool. Jaime tem comportamentos absurdos e é uma criatura absurda. Ambos despertam enorme simpatia.