Estou muito satisfeito com o meu modelo de biblioteca à base de tupperwares. É verdade que demorei uns tempos a habituar-me à ideia e que houve inclusive manifestações do foro onírico muito pouco agradáveis, mas lentamente acabei por aceitar esta opção. Ajudou ter sempre presente que a ideia nasceu para resolver um problema prático e não para armar ao excêntrico. No dia em que quase caí da bicicleta por causa do peso do Guerra e Paz decidi começar a deixar o livro junto do castanheiro. Para o proteger das intempéries, do sol e da bicharada, pareceu-me que um tupperware com um saquinho higroscópico no interior seria o melhor recipiente para o livro; mehor do que um saco de plástico e melhor do que uma caixa de charutos. E só agora, mais de um ano depois, penso no famoso "a poesia é para comer", de Natália Correia - enfim, acondiciono sobretudo prosa. A ideia vingou mesmo. Em pouco tempo, transferi todos os meus livros para o Cotovio. Da casinha da bomba do poço, mais perto do castanheiro (que na verdade é um plátano), o meu lugar de leitura, os livros passaram depois para um dos estábulos do monte. O telhado está praticamente em ruínas e o interior já só lembra um estábulo porque sobrou palha encrustada no chão. Aliás, depois de ter reciclado prateleiras de outras divisões, a sala parece agora mais uma queijeira. Os livros repousam dentro de tupperwares, que estão colocados sobre as prateleiras com o espaçamento que se dá aos queijos de ovelha. Não sei por que motivo fiz assim. Talvez por o espaço ser tanto, os livros tão poucos e esta uma forma de encher a sala. Não faria sentido arrumar os tupperwares ao alto, encostados uns aos outros como se tivessem lombadas. É verdade que assim fico impedido de acompanhar o crescimento da minha biblioteca recorrendo ao parâmetro do "metro linear", uma forma de registar o aumento da colecção marcadamente masculina e onanista, ou não se assemelhasse a presenciar uma lenta e prolongada erecção. Pouco importa, pois registo o aumento em centímetros cúbicos. E se perdi o reflexo fálico, guardo ainda algo do universo sexual por ter os livros como queijos. Quem viu requeijões pendurados, aqueles volumes pesados, redondos e brancos destacando-se da escuridão, percebeu o Fellini melhor do que os meninos que apenas conhecem o requeijão do supermercado.