Não se sabe como começou o hábito dos amores vagos. Parecia claro que era uma forma de espantar um desgosto de amor passado e de prevenir o desgosto futuro. A moda pegou. Por toda a cidade, nunca se amara tanto e de forma tão vaga. Um dia passou por lá um sábio, que num ajuntamento festivo a todos se dirigiu: "lembro-me bem de um campo de cultivo que resistiu durante anos à passarada e aos gafanhotos. Era a melhor terra das redondezas e os aldeões faziam tudo para a proteger. Até que alguém se lembrou de colocar um espantalho no meio do campo. No ano seguinte, colocaram dois. Não demorou a que todos quisessem demonstrar o seu apreço por aquele campo. E foi uma praga de espantalhos que acabaria por matar as culturas. De tanto insistirem em espetar espantalhos, não sobrou um palmo de terra arável. Esta cidade é um pouco com aquele campo. Perdoem-me, mas tenho diante de mim uma multidão de espantalhos. Reparem nos vossos braços, abertos mas hirtos. Como espantalhos. Ainda se lembram como se abraça?" Fez-me silêncio e depois ouviu-se uma voz, tímida e anónima: "vagamente..."