O dia de ontem foi um dos mais tristes desde que aqui cheguei. Ainda o vivo, porque não me deitei, apesar de ser já a madrugada do dia seguinte; quero ajustar as contas com este dia para não ter de voltar a pensar nele quando acordar. Eram tantas as minhas expectativas para esta semana que desliguei o telefone antes do fim. Não queria mais ouvir aquilo. Meus deus, Manuel Barrueco contra a Orquestra Gulbenkian? Era essa a ideia? Aquilo pareceu um David e Golias, mas em que David perdeu a funda. Será que não há bom senso e experiência para evitar a óbvia constatação de que a guitarra não tem recursos naturais para aguentar o volume de uma orquestra em que os sopros não conhecem a noção de piano? Será que o técnico de som não sabia que, faltando mão e cabeça ao maestro, só ele podia ter salvo este concerto, aumentando a amplificação da guitarra? Eu preferia ter ouvido o puro som do dedilhado de Barrueco alterado por uma amplificação puxada a não ouvir coisa nenhuma quando os dedos do concertista percorriam velozes o braço da guitarra. Abortei a noite e instruí Jaime para que se dirigisse ao Bairro Alto e, em meu nome e por minha conta, se embebedasse até perto de um coma alcoólico. Este estaminé não volta a abrir antes de segunda. O Jaime embebeda-se e eu ressaco.