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Eremita
(pub) A brief history of romance comics
As libertinas de Ourique não são mulheres interessantes, se definirmos uma mulher interessante como aquela que conta histórias com interesse (para evitar a confusão com a mulher que parece interessante pelo olhar, pela forma de andar ou pelo modo como fuma). Por isso, a conversa de ontem com uma delas foi surpreendente.
- Mas em que país isso sucedeu? Num lugar inventado pelo Hergé?
- Garanto-lhe que aconteceu.
- É extraordinário. Um país proxeneta.
- Mas com consciência social.
- O proxenetismo ao serviço do povo.
- E da cultura.
- E resultou mesmo como me disse?
- Sim, ou seja, acima das previsões mais optimistas.
- Havia previsões?
- Claro. Eles esperavam atrair 100. Conseguiram 400.
- Com um investimento de apenas 700 mulheres?
- 720.
- Mas isso dá uma eficiência acima de 50%.
- Sim, embora em alguns casos o recrutado tivesse sido uma segunda escolha.
- Como assim?
- Em vez do maestro, o primeiro violino.
- Seja como for, é um sucesso impressionante.
- E sem paralelo na história.
- Bem, talvez se tenha repetido, mas em segredo.
- Duvido. Uma migração com estas características não escapa à investigação histórica.
- E as consequências?
- Só ao fim de 20 anos será feita uma avaliação, mas temos uma potência cultural instantânea.
- E quando eles souberem?
- Vão negar. Estão apaixonados. Dirão que se trata de uma teoria da conspiração.
- 400 intelectuais, banqueiros, escritores, cientistas e artistas atraídos para um mesmo país, dispostos a ensinar numa universidade sem prestígio e a viver numa cidade insignificante de um país menor.
- Que revitalizarão da noite para o dia. Um novo pólo cultural, cosmopolita, um verdadeiro farol para o mundo. Coisa com estas proporções só sucedeu antes com o migração de intelectuais para os EUA, por causa dos nazis.
- E a que custo?
- Praticamente nulo. Sem nazis. 2 anos de bolsas de estudos para as 720 raparigas.
- Devem ser sublimes.
- Sim, muito belas. E espertas. Eles também não eram novos. Enfim, tamanho sucesso só se encontrou no programa de formação de atletas dos países de leste.
- Percebo o paralelo: ambos revelam uma total ausência de escrúpulos, o indivíduo esmagado pelo sistema. Mas espanta-me que todas tenham respeitado o plano. Alguém que seduza um homem daqueles ganha poder. Para quê regressar se podiam ficar em Londres, Nova Iorque, Paris?
- Diz-se que há pressões.
- Represálias possíveis sobre as famílias das raparigas?
- Não se sabe ao certo. Elas parecem felizes.
- O esquema é muito tentador. Já falou com o presidente da câmara?
- De Ourique?
- Claro. Não me apetecia nada que Castro Verde tomasse, também nisto, a dianteira.
- Não diga disparates. Não há empreendedorismo. Seria preciso formar as raparigas. Cultura geral e artes de alcova. Não se monta um programa destes a nível local.
- Mas eu não falo em atrair os 20 intelectuais de topo escolhidos pelo Nouvel Observateur. Penso em deputados reformados. O Manuel Alegre gosta de caçar. Temos os recursos cinegéticos no Baixo Alentejo e deve haver uma pequena capaz. Você seria capaz de a descobrir.
- E quem me garante que você não ficaria com ela?
- Eu já tenho uma paixão.
- Deve ser por isso que não nos levantamos desta mesa para outro lugar.
- Deve ser por isso.