As poucas aplicações que tenho estão com saldo negativo. Penso enveredar pela agricultura de subsistência para prolongar a autonomia financeira, mas se entretanto não arranjo trabalho daqui a um ano serei um sem abrigo com domicílio fixo. O projecto de escrever artigos para revistas de viagens não chegou a arrancar e parece que não aprendi a lição. É que começa a germinar uma outra ideia: tornar-me ghost writer. Os franceses chamam-lhe nègre e - salvo erro - nós não temos um nome para esta profissão. Das duas, uma: ou esta tradição não existe em Portugal ou é praticada com enorme competência, tendo a necessária discrição dispensado a invenção de um nome para o métier. No primeiro caso, existe um nicho de mercado virgem, que devemos explorar; no segundo, pertencer a esta sociedade secreta seria mais honroso do que entrar para a Maçonaria ou o Opus Dei.
Acordei hoje a pensar num tarifário que fosse sensato. Imaginei depois que trabalhos faria (a carta de amor, o postal ilustrado de viagem, a confissão entre familiares ou amigos, a carta de demissão, discursos de padrinho e para bodas) e os que recusaria (o bilhete suicida, o TPC da escola ou universidade, o manuscrito de um romance, relatórios e outra produção laboral). Quanto mais pensava sobre o assunto, mais a minha opinião mudava. Se antes via este trabalho como moralmente condenável, escrever anonimamente com empenho começou a parecer-me uma das mais nobres formas de escrita e um desafio derradeiro. Afinal, trata-se de produzir um texto que fica protegido da vaidade do seu autor.