![]()
Há prosa muito assente na redundância, em que a mesma ideia está sempre a reaparecer, como se o texto fosse a espuma de uma onda e o argumento uma cabaça por ela levada. São textos gordos, que na mão de um editor de raciocínio lógico-dedutivo ficariam reduzidos a metade, mas podem ser muito eficazes. Tendem a resultar melhor como panfletos lidos para massas do que consumidos a sós e em silêncio, embora haja quem produza material que sobrevive bem a ambos os contextos. Em tempos fui capaz de escrever desta forma, só que tal competência tende a perder-se com a idade, a menos que o vulgar incremento no cinismo seja acompanhado por um incremento na demagogia, ou que a inocência não se perca. Este último caso pode descrever-se como uma neotenia literária, isto é, como a manifestação de uma escrita infantil ou juvenil no estilo amadurecido. A neotenia é um fenómeno recorrente na evolução das espécies (o crânio do homem adulto é mais parecido com o do chimpanzé juvenil do que com o do chimpanzé adulto), mas o exemplo que melhor ilustra o poder desta transformação são os castratti, que eram casos de neotenia induzida artificialmente. Para prevenir tragédias, o adolescente de voz ainda infantil com aspirações literárias deve ter presente que as extraordinárias capacidades dos castratti eram exclusivamente vocais; não há estrutura anatómica que esteja para o escritor como o saco escrotal está para o cantor. Por outro lado, este estilo a que me refiro é estatisticamente feminino, creio. Alguém assim caracterizou o Beloved, de Toni Morrison, e eu conheço casos nacionais, mas não vou citar nomes.