Sporting: realidade e ficção
Eremita
[Publicado a 12.04.18]
Quando penso naquele ano, emerge sempre a imagem da página dos meus arquivos sobre o Sporting Clube de Portugal em que escrevi "8 de Junho de 2035: campeões, caralho!" Os anos chegavam como chegam sempre, um após o outro, num longo e ininterrupto contínuo de que eu, alheado do ritmo das estações, dos balanços feitos pela imprensa e do réveillon, só ia dando conta pela dificuldade crescente em adoptar o novo ano quando escrevia a data. Na infância, era raro esse erro passar da primeira quinzena de Janeiro, talvez pela prática quotidiana de anotar as datas nos cadernos da escola. Mas depois de adulto, dava por mim ainda no ano anterior em Fevereiro e a cada ano esse atrito do tempo foi ficando mais forte, fazendo-me chegar a Março, a Abril, a Maio e até a "8 de Junho de 2035", o meu recorde pessoal, estabelecido - já se viu - em 2036. 2036 foi um ano singular, na história do meu clube e na minha vida. BW (ainda por paginar)
O projecto BW inclui uma fantasia política centrada, para efeitos de verosimilhança, no SCP e não no Governo da pátria. Essencialmente, depois de décadas nas mãos de um déspota que leva o clube à decadência desportiva, financeira e moral, uma revolução devolve o SCP aos sócios e o clube passa a ser dirigido por um comité que desenvolve uma estratégia de expansão baseada numa rede de olheiros de camadas jovens à escala mundial. A academia do clube torna-se um dos locais mais cosmopolitas do planeta e, após 15 anos, com uma equipa em que estão representadas 14 nacionalidades, o SPC volta a ser campeão nacional e um clube com legítimas ambições europeias, começando a contar com uma base de apoio planetária de "mais de 6 milhões", segundo o porta-voz do clube. Esta ideia precede em vários anos o aparecimento de Bruno de Carvalho como figura pública, mas, por mim, ele deve liderar o clube durante mais uns anos ou pelo menos até eu acabar de escrever esta brincadeira.
Adenda a 17.5.18. Nos últimos dias, a reputação do SCP atingiu o ponto mais baixo de que me lembro. Além do terrorismo em Alcochete, foram divulgadas mensagens que fazem do Sporting um clube tão ou mais corrupto do que os seus rivais. Tudo isto é mau para o futebol, mau para o sportinguista moderado que sempre fui (a formulação é aberrante, bem sei) e magnífico para o meu projecto de romance. Diga-se que a fantasia política em torno do SCP é a trama menos importante de todo o enredo, mas não deixa de ser bom vê-la a escrever-se sozinha na imprensa diária. O que também me enche de orgulho é a capacidade de reflexão dos sportinguistas. Os sportinguistas são quem melhor escreve sobre futebol (penso em Rogério Casanova e no maradona). Dos vários textos que surgiram na imprensa nos últimos dias, destaco a análise marxista e foucaultiana de José Neves, que me deixou a pensar na possibilidade de usar os jogadores e não os sócios como agentes da revolução no Sporting. O romance ficaria descaradamente comunista, o que não me parece má ideia enquanto desafio literário. O Sporting enfrenta a sua "hora histórica".