A cadeira eléctrica
Eremita
[Publicado a 6.6.2013; republicado a 1.5.2019]
Ninguém se opôs à compra da cadeira eléctrica, embora só o vizinho do 1º esquerdo contasse utilizá-la no imediato, por causa do cancro galopante. "Tivemos uma vida boa" foi o que a sua mulher me passou a dizer quando nos cruzávamos nas escadas. Outros vizinhos do bairro optaram pela mesma solução, mesmo aqueles que ninguém diria que tinham tido uma vida boa. Pedimos dois orçamentos e a diferença de preços foi tal que não houve hesitações. Uma cadeira eléctrica era solução que jamais me havia passado pela cabeça, mas eu vivia entre septuagenários e octogenários que me tratavam como "o menino" do prédio, apesar dos meus quarenta anos. Ainda assim, a solidariedade entre condóminos surpreendeu-me, porque cada um teve de pagar 2000 € e o prédio era de gente modesta. Talvez não valha mesmo a pena viver sem um mínimo de qualidade; o vizinho do 1º esquerdo seria o primeiro a subir à cadeira e os outros iriam a seguir, era só uma questão de tempo. É claro que me lembrei de outras alternativas e que ainda hoje penso se não teria sido melhor optarmos por uma solução mais convencional, mas evito sempre ir às reuniões e limito-me a assinar o livro de actas sem ler o que foi escrito, reparo apenas na beleza da caligrafia e ponho-me a imaginar a qual das vizinhas pertencerá aquela letra tão bem desenhada. Enfim, a cadeira eléctrica não incomodaria ninguém, desde que cada um a ela subisse de livre vontade. E quem sou eu para os criticar? Não imagino a cabeça de um octogenário. É possível que não queira desperdiçar tempo e a cadeira resolveria esse problema.
No dia em que a instalaram, fiquei mais descansado. A cadeira vinha com um sistema de segurança bem pensado, que tornava quase impossível a morte acidental: quem quisesse utilizá-la teria de rodar uma chave e carregar depois numa tecla, já sentado. Era ainda preciso manter a tecla pressionada para que a cadeira continuasse a trabalhar, o que servia para dissuadir quem, por capricho e impulso, quisesse brincar aos octogenários cansados. Era uma cadeira para gente com força de vontade. Mas quando os homens que a instalaram fizeram uma sessão de demonstração, muito profissional e sem uma única piada mórbida, ninguém se quis sentar na presença dos outros. Então ocorreu-me que aquele investimento teria sido um desperdício, pois as pessoas iriam continuar a viver conformadas e a cadeira ali ficaria, a um canto, com as luzinhas acesas em vão. Na noite em que a vizinha do 1º esquerdo apareceu para me dar o número da sua conta bancária, abri-lhe a porta com vontade de desabafar sobre o destino da cadeira. Mas então reparei que, pela primeira vez, a cadeira estava no meu patamar e que a vizinha se apressou a sentar-se de novo, com entusiasmo de criança. Ainda se riu quando lhe desejei boa viagem, estava a cadeira a iniciar a descida do primeiro lance de escadas. É uma boa cadeira, muito silenciosa nos planos inclinados e graciosa nas curvas.