Sara (3)
Eremita
Como todas as mulheres, Sara aprendera a higiene íntima na adolescência, rotina que não se alterou durante décadas e realizava maquinalmente. Só a sua outra higiene a levava a constantes mudanças. No acto de se lavar entre o momento passado com os amantes e o regresso à cama com o marido, Sara começou por acusar um afinco maníaco que lhe deixava as coxas em carne viva, o sexo dorido e a boca numa confusão de elixires, pastas medicinais, dentífricos que prometem brancura e pastilhas para o mau hálito. Dias mais desaustinados houve em que Sara experimentou o sabão azul, os detergentes da cozinha, esfregões e uma única vez com a palha-de-aço. Aos poucos acalmou, sem que chegasse a dispensar o demorado banho de chuveiro e um olhar para o ralo da banheira que pedia demasiada carga metafórica da água que se escoava. Certo dia, percebeu que envolver o marido a ajudava. Fez com que ele lhe lavasse as costas, depois o corpo todo, mas desencorajando o menor sinal de entusiasmo da parte dele, que nada percebia. O ritual de Sara completava-se com uma exposição prolongada da cara à água do chuveiro. Foi há pouco tempo que o gesto deixou de fazer o efeito pretendido e ela passou a tomar banhos de imersão, de novo sozinha, renovando várias vezes a água da banheira, para executar no fim uma imersão total naquela água já sem o menor vestígio de impureza, e emergir com a cabeça inclinada para trás, como um cristão renascido. A conta da água aumentou.