A questão cigana precisa dos ciganos
Eremita
Ciganos d'Ouro. Os aficionados da guitarra reconhecerão entre os elementos do grupo o então jovem Pedro Jóia .
A exclusão e a marginalização explicam a elevada incidência de subvenções estatais contra a pobreza, que são vistas pela população igualmente pobre, mas muito menos excluída, como sendo os ciganos gente “que não quer trabalhar”. O que o silêncio patrulhado que existe sobre os desmandos de alguns grupos de ciganos, principalmente nos subúrbios como Loures e Odivelas, oculta, é que não é a classe média, e muito menos os ricos, que contactam com eles, mas os mais pobres e menos protegidos dos portugueses. É aí que nasce o populismo, no facto de para muita gente, cuja condição económica não é muito diferente da de muitos ciganos, isto parecer ser uma profunda injustiça. E são também eles que presenciam e testemunham muitas pequenas violências de grupo, impondo o número e uma ostentação de ameaça, para quem está numa fila para receber a sua reforma numa estação de correios, ou numa sala de espera de um hospital, ou numa escola onde um problema de disciplina escolar com um aluno cigano atrai comportamentos de imediata agressão. Pode-se dizer que o contrário também sucede, e é verdade, mas estamos a falar de locais e incidentes onde há significativo número de ciganos e famílias ciganas como acontece em certos bairros sociais e escolas de Setúbal. E, como qualquer estudioso do populismo sabe, são muitas vezes este tipo de pequenos incidentes, repetidos diante da inacção e do medo das autoridades, que têm um efeito devastador nos sentimentos anti-ciganos. Pacheco Pereira, Público
Se esta prosa de Pacheco Pereira tem o mérito inegável de excluir da discussão a direita assanhada que opina no Obsevador, duvido que seja um ponto de partida para uma discussão com a esquerda de Manuel Loff e Rui Tavares. Porque é muito sintomático que até uma personalidade com a sensibilidade social de Pacheco Pereira escreva um texto em que explica o racismo aos ciganos com base em comportamentos desta etnia que são violações do Estado de Direito, dando essencialmente razão a André Ventura, sem por uma vez referir que o Estado de Direito e a sociedade ocidental também excluem os ciganos, sendo inúmeras as situações de discriminação desta etnia: uma família cigana é impedida de entrar num restaurante, um morto cigano não pode ser enterrado no cemitério escolhido pela sua familia, um cigano é baleado por um polícia por ser cigano e na dúvida prende-se toda a família cigana, entre muitos outros casos. Naturalmente, da esquerda também se esperaria que, ao lembrar que os ciganos são 5% da população prisional e menos de 0,5% da população nacional, não assobiasse para o ar perante as tradições ciganas que são incompatíveis com os valores de uma sociedade ocidental, nomeadamente a estrutura patriarcal que condena muitas meninas e raparigas ciganas a vidas miseráveis. Enfim, ninguém em Portugal é capaz de discutir este problema sem esquecer todas as suas dimensões e produzir um discurso e acção que vão além da tradição académica e diplomática, que se vangloria dos seus bons sentimentos mas aceitou o status quo.
Enquanto não forem os líderes das comunidades ciganas e ganhar voz e insistir para que as raparigas das suas comunidades fiquem na escola e as gerações mais novas subam na vida pelos estudos, entre outros ajustes indispensáveis para acabar com o estatuto de exclusão desta comunidade, nada mudará e haverá sempre um André Ventura a aproveitar as oportunidades. Como se conseguirá esta mudança? Não tenho a menor ideia, mas sei que os protagonistas da discussão precisam de mudar.