A crítica cirúrgica do ódio das multidões
Eremita
" O artigo do PÚBLICO que noticiou a queda de fragmentos do Templo Romano de Évora teve menos de sessenta partilhas no site deste jornal. Uma ínfima fração das dezenas de milhares de partilhas que teve o famoso caso do jantar no Panteão Nacional. Para um monumento que está naquele lugar há dois mil anos não houve petições com milhares de assinaturas, debates apressados na Assembleia da República, intervenções de líderes partidários, comentários nos programas de fim-de-semana. Nada. E trata-se, se é possível comparar, de um monumento de maior importância. A que quase ninguém deu importância. Quando estava cair aos pedaços.
Porquê? É simples: não havia ninguém para odiar." Rui Tavares
Na verdade, não é nada simples. Caso contrário, como explica Rui Tavares que a única pessoa a ter reparado, esta semana, na condenação nos elementos da horripilante rede pedófila Verdade Celestial tivesse sido Eduardo Pitta, não havendo criatura neste mundo que suscite maior repulsa do que um pedófilo (activo)? A atenção inusitada que o escândalo Raríssimas tem suscitado resulta de uma combinação de elementos: 1) a retroacção positiva que existe hoje entre os media e as redes sociais; 2) a importância ainda determinante da televisão e a existência de material audiovisual muito suculento; 3) o estilo de reportagem de Ana Leal, calibradíssimo para suscitar indignação; 4) a natureza do caso, fulanizável (Rui Tavares identificou um elemento importante), que envolve ascensão social, prepotência, e abuso de confiança e de dinheiros públicos numa área de grande envolvimento emocional como é o apoio a pessoas com doenças raras; 5) a impossibilidade de manter dois temas quentes em simultâneo no ar ou sem que um retire protagonismo ao outro; 6) a sede de novidade (uma acusação inesperada é sempre mais apetitosa do que uma condenação antecipada); 7) o sucesso do Governo na vertente económico-financeira, que faz com que a oposição tente aproveitar ao máximo os casos pontuais que possam fragilizar a governação de Costa. De resto, este último elemento, uma tese que roubei a Pedro Adão e Silva, explica a crónica de Rui Tavares e o post de Eduardo Pitta, cuja motivação é essencialmente política. Se era para discutir a fascinante psicologia das multidões, por que motivo não o fizeram após a onda de ódio a Miguel Relvas, que foi tão grande ou superior à onda a que assistimos agora contra a presidente da Raríssimas? Quando, no meio da gritaria generalizada, descobrimos o que nos parece ser um oásis de sensatez, ponderação e distanciamento, mas, após uma breve análise, percebemos que se trata ainda de uma manifestação tribal, só que camuflada, que optimismo nos resta?