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OURIQ

Um diário trasladado

OURIQ

Um diário trasladado

30
Mar17

Livro de estilo


Eremita

Publicado a 15.6.2013 em permanente actualização 

 

1. Usa adversativas apenas em caso de extrema necessidade.

2. As cacofonias só se apanham lendo em voz alta ou no dia seguinte.

3. Os advérbios de modo estão para a literatura como o pré-fabricado para a arquitectura. 

4. Os tripletos (adjectivos) de Conrad eram de Conrad.

5. O "E" depois do ponto final acelera o texto; convém deixá-lo próximo do fim do parágrafo.

6. Ninguém ainda inventou a mancha gráfica ideal para o diálogo, mas é improvável que sejas tu a fazê-lo.

7. Revê todas as concordâncias como se Manuela Ferreira Leite te tivesse sussurrado o texto ao ouvido.

8. Nunca escrevas uma palavra que acabaste de aprender, mas podes fazê-lo se entretanto vires alguém a usá-la (cf. regra 48).

9. Não tenhas remorsos por usar um dicionário de sinónimos, se a mesa estava mesmo assim tão manca.

10. A gramática nunca deve impedir-te de escrever, só de dar a ler.

11 [com AF] e AG] Faz por te salvares, se tens a sensação de que há uma forte probabilidade de estares refém dos  seguintes verbos: "fazer", "ter", "haver", "estar" e "ser".

12. A principal dificuldade de uma frase longa não é a pontuação, nem sequer a lógica das orações subordinadas, mas como evitar usar mais de um "que" entre dois pontos finais.

13. Polvilhar [ver comentário] o texto com o léxico das corporações obedece às regras da boa culinária; em regra, o do Direito salga e o da Medicina é adstringente.

14. Evita periodicamente os correctores ortográficos, pois não há melhor forma de aprender do que passar vergonhas em público.

15. Assume sempre a inteira responsabilidade pelos erros ortográficos e nunca os equipares a gralhas ou desvarios de correctores automáticos.

16. Aponta num caderninho todas as palavras que desconheces.

17. Não percas o caderninho.

18. Evita fórmulas, como a piada da regra que se refere à regra anterior.

19. Deixa os tempos verbais para o fim, mas não te esqueças de os corrigir, pois o mais provável é estarem errados.

20. Resiste à insegurança de escrever os teus próprios neologismos em itálico.

21. Inventa um numerus clausus para os textos que tens a meio.

22. Evita psiquiatras e parceiros sexuais com ambições literárias.

23. Tudo o que se altera num ápice com um "find" e "replace" nunca definirá um estilo.

24. Não contornes as inseguranças gramaticais com expressões seguras mas que sabes não serem as ideais.

25. [com MV] As orações subordinadas tendem a insubordinar o leitor.

26. Não uses os parênteses e os travessões indiscriminadamente. Inventa um critério. Eu uso os parênteses para adicionar factos e os travessões para fazer um comentário, mas a única obrigação é a consistência.

27. Parafraseando Miguel Esteves Cardoso, as enumerações devem ser absolutamente sinceras. A honestidade não fica assegurada com o recurso a processos de escrita automática.

28. Um curso de solfejo e a prática de um instrumento são muito mais úteis do que um curso de escrita criativa. 

29. Nunca mintas a um revisor, por maior que seja o teu desejo de lhe dizer que ele é o único e não  apenas uma peça de uma complexa engrenagem assente no princípio da redundância.

30. A principal dificuldade da crónica não é o remate sonante, mas a sua justificação prévia.

31. A musa não deve ser mais do que uma lebre.

32. A terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo "ser", isto é, justamente o "é", é um rasgão na trama acústica da prosa e, por isso, é sempre de evitar.

33. O uso indiscriminado do condicional e do pretérito imperfeito induz no leitor uma espécie de enjoo, que apenas deve ser explorado com total conhecimento das possíveis implicações.

34. Não uses o ponto-e-vírgula até te sentires devidamente preparado.

35. Nunca interpeles o leitor.

36. Define o número máximo de pontos de exclamação que pretendes usar em vida e nunca percas essa contagem (cf. regra 62). 

37. [com AV e jaa] As reticências são o sinal de pontuação mais versátil. Quando usadas no discurso directo ou para truncar citações, não têm substituto; na sua qualidade de points de suspension, podem tornar-se irritantes. Deve evitar-se tudo o que assinale inflexões de natureza emocional, capte as hesitações do autor ou convide o leitor a terminar a frase. A grande discussão centra-se no uso alternativo das reticências e do "etc.". Uma regra (facultativa) é recorrer ao "etc." quando se quer passar a ideia de que a enumeração não se pretende exaustiva e às reticências quando a enumeração se prolonga além do que ficou escrito. Assim, quanto maior for a enumeração mais frequente deve ser o uso das reticências.

38. A definição de literatura dada por Martin Amis - uma guerra ao cliché - não é magnífica por se ter tornado um cliché, antes tornou-se um cliché por ser tão magnífica. Essa guerra, então, não pretende acabar com o cliché, mas conquistar o universo dos clichés possíveis, ganhando aquele que mais clichés colonizar, limitando o seu acesso a outros, que passam a pagar um preço. Esse preço tende a ser a banalização do discurso, mas por vezes pode ser o esforço que se investiu para se transcender o cliché. Por exemplo, "cuspir na sopa" não tem rasgo, mas J'irai cracher sur vos tombes é literatura. Dito isto, é quase uma impossibilidade formal fazer qualquer coisa de jeito com expressões como "a banalidade do mal".

39. Elabora a tua lista palavras proscritas, aquelas que devem permanecer exclusivamente nos dicionários, como certos vírus perigosos que são guardados em locais de acesso muito restrito. Mas viola as listas alheias com a convicção de um terrorista (cf. regra 3).

40. Uma solução radical para aguentar o confronto com erros publicados na última edição publicada passa por introduzir erros no texto propositadamente e às cegas antes de começar a revisão.

41. Ao serviço da opinião, o plural majestático só resulta em cobardia ou banalidade, a menos que estejas em campanha.

42. Lê os teus textos em voz alta, mas apenas quando não tiveres por perto quem o faça para ti.  

43. Não basta que o pensamento sirva a escrita, é também preciso que a escrita sirva o pensamento.

44. Aceita todas as correcções correctas, mas agradece apenas a quem as fez por bem.

45. A vírgula de Oxford é para ser sentida.

46. O pretérito-mais-que-perfeito simples deve ser salvo, não por estar em vias de extinção, mas por soar melhor ao ouvido do que a sua forma composta.

47. Identifica as tuas palavras preferidas. 

48. Define um período de nojo antes de começares a usar palavras recém-aprendidas (cf. regra 8).

49. Sempre que trocares "rapsódia" por "medley" ou "maremoto" por "tsunami", não termines o texto sem utilizares pela primeira vez, mas de forma natural, a palavra portuguesa; assim, contribuirás para a sobrevivência do léxico sem que pratiques o proteccionismo linguístico.

50. Os diálogos não se escrevem, são meras transcrições de vozes que ouves na cabeça.

51. Não pervertas a gramática com marcas pessoais, a menos que sejam originais e lógicas.

52. Corrige em público com laconismo e comiseração.

53. Nunca uses uma palavra que só ainda encontraste num dicionário (cf. regras 8 e 48).

54. O desuso do ponto de exclamação também pode passar de moda. Tal como sucede com o orgasmo feminino, o importante é a sinceridade na exclamação ou a destreza com que é fingida (cf. regra 27).

55. O tempo entre a redacção e a revisão deve ser proporcional à frequência com que tens experiências de vida fortes.

56. Dos outros, usa apenas as metáforas que entretanto esqueceste.

57. Tenta contrariar a vontade de escrever lendo os teus autores preferidos.

58. Distingue a vontade de escrever da vontade de comunicar.

59. Não tentes quiasmos se não és bom em oxímoros.

60. Não faças metonímia do desleixo.

61. "Qualquer acção pode ser expressa por um único verbo" é inferior a "para qualquer acção, um único verbo basta".   

62. O problema do uso do ponto de exclamação não é estético, é ético (cf. regra 36).

63. O abuso do "quase" não te faz rigoroso, mas apenas inseguro (roubado a Alberto Velho Nogueira).

64. Não abuses dos verbos seguidos (roubado a Alberto Velho Nogueira)

65. A anáfora deve soar bem ao ouvido durante a leitura silenciosa. 

 

 

 

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