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Eremita
Cansaço
De quem lava o suor suando uma vez mais
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Eremita
Cansaço
De quem lava o suor suando uma vez mais
Eremita
São tantas as oportunidades de escrita que resultam da convenção de atrasar a hora a uma dada altura do ano, que fico paralisado. Pelo contrário, o rapaz do cineclube organizou na noite de 27 para 28 de Outubro uma maratona de filmes que incluem viagens no tempo. Trivial ou, como se passou a dizer, simplex. O empreendedor é sobretudo alguém que, no gesto de se conformar consigo próprio, acaba por fazer alguma coisa.
Eremita
Releio e releio o primeiro capítulo de Para Sempre. É maravilhoso, que domínio sobre a língua, as emoções e o tempo. Memória, ternura, sexo e morte. E que mais há? Antecipa Lobo Antunes aos 235 anos de idade, se o escritor viver até lá e continuar a libertar-se da pirotecnia ao mesmo ritmo a que nos habituou nas últimas 3 décadas. Manuseio um exemplar da Livraria Bertrand, que custou 650 escudos e pertence ao meu pai - tudo isto se aprende na primeira página. "Abro a porta do quintal. É um portal desconjuntado, as dobradiças a despegarem-se". Também o livro é desconjuntado, as folhas a despegarem-se e já com fita-cola a fazer de dobradiça. Quem as colou? Suspeito que foi a minha mãe. Penso depois numa qualquer evocação a estas páginas dissimulada no começo de BW. Mais do que ousadia, seria a solução prática, pois sinto-me como um campista encharcado e que ainda não decidiu em que local vai começar a montar a tenda. Entretanto gastei o dinheiro que não tinha (399 euros) num computador para onde transferi os ficheiros BW e que nunca terei ligado à internet. Ridículo, eu sei.
Eremita
Não será Deus nem o amor, só a tua imaginação te poderá salvar.
Eremita
Não sei que lastro se acumula dia a dia
É como a erosão das noites nas manhãs
A poeira que à tarde se acrescenta ao chão
Veio hoje um desses dias, a prumo no fulcro
Chegam mais pontuais que as regras à mulher
A cada trinta paro e nada, nada faço
Não chega a ser conserto, é só uma afinação
Um modo de ajustar o sonhado ao possível
Bem a salvo do inverso que dá em loucura
Mas nada, nada, nada faço para que fique
O valor corrigido, este saldo aprovado
Ajuste que me anima logo pela manhã
Eremita
Não valia a pena prolongar uma zanga com o rapaz do cineclube. Cruzámo-nos na rua, murmurámos qualquer coisa ininteligível e demos um abraço. Depois entrámos no café e foi já sentados que ele prometeu que não voltaria a plagiar-me. Bastou-me, na medida em que consegui imaginar-me a perdoá-lo se me a plagiar outra vez. Ainda ouvi o poema que ele escreveu no momento sobre o nosso reencontro.
Amigos destes não podem partir à chuva
Abusar das promessas, esboçar encontros
Futuros na reserva em que nunca se toca
As palavras não saem, só o abraço assim
Um segundo mais curto e dois fora de tempo
Eremita
The French Lieutenant's Woman (1981) contém uma das cenas de sexo mais rápidas da história do cinema, que ainda não vi documentada. Foi o que fiz. São 41 segundos, se considerarmos o momento em que ela o recebe entre os braços; porém, a acreditar que um primeiro gemido mais alto identifica o momento em que ela o recebe entre as pernas, são 22 segundos. Este pequeno exercício não faz justiça à trama de pulsões em desacerto que o filme constrói, nem capta a solução narrativa para contar uma mesma história com dois finais, o que, embora hoje pareça algo datado e lembre uma versão sofisticada e autocrática do Você Decide, em tempos apresentado por António Sala, tem um virtuosismo a que não sou indiferente.
Eremita
O poema que o rapaz recitou esta tarde é meu. A princípio, ele não deu o braço a torcer; mais tarde, chorou. Não foi difícil fazer prova e até usei o telefone celular, muito adequado para convencer os jovens. O cabrãozinho mudou o nome ao poema, saiu-lhe curto o rasgo criativo. Quando acabou de chorar, perguntei-lhe se alguma vez o foram esperar a uma estação ferroviária. Então ele disse-me que jamais tinha andado de comboio. Fiquei a pensar no empobrecimento de biografia que foi ir, em apenas três gerações, da experiência do Ultramar à da internet, passando pelo InterRail. Pobres miúdos. O título é dele, relembro, mas o poema é meu.
Na Gare de L´Est regressei ao útero
Não o das arcadas, dos espaços resguardados
E princípio de um fim ou não, carris são carris
Regressei ao útero, pontualmente
O que se espera da ferrovia gaulesa
Mas não de todas as mães.
Eremita
Desta vez foi ao almoço. O Judeu diz que a culpa é minha, diz que o incentivei. Discutimos depois se é legítimo reciclar a prosa de amor. O Judeu é a favor, porque, tal como o estado febril pode ter muitas causas, mas é bem descrito pelo aumento da temperatura do corpo, também o enamoramento é um estado que podemos descrever independentemente do amante. A tese não me pareceu má, mas o Judeu pareceu-me demasiado radical quando disse que o autor do poema não está obrigado a revelar ao seu novo amor que o poema foi escrito para outra pessoa. O rapaz seguiu a nossa conversa com um rosto de grande perplexidade. Creio que só amou uma vez na vida.
Porto onde se chega
A gritar mar à vista
Imagem partilhada
Com o escultor anónimo
A figura de proa
O mármore à chuva no jardim
As texturas inventadas
Há uma gota a escorrer
Mas é de carne
O rego por onde vai
E este corpo já não é meu
Se há uma cor que te diga
Eu digo azul
No reflexo de um corvo
Que depois das tangentes
Foge a sete asas
E semeia o Douro
Por caminhos inadiáveis
Voa sem os segredos
Que largou como lastro
Vai com confidências
Que aceita como um destino
Muito além da razão
Foi o meu corpo
Traiu-se sem traidor
Furta-se agora ao rio
Ganha o mar e o deserto
O horizonte em círculo
Esse truque fácil
De não sair do lugar
A patriótica vocação
O abandono existencialista
E a vida corre ao lado
Não se pára o curso de um rio
Com as palmas da mão
Não se troca de foz
Com as voltas na cama
Não cabe um oceano
Nas palavras de um conto
Há algo de trágico
Neste mergulho em apneia
Descubro-te em braçadas
Acima é à tona d’água
E ainda digo azul.
Eremita
Esta madrugada vimos Sol Enganador. Depois o rapaz partilhou alguns dos seus trabalhos sobre o Alentejo e disse-lhe que ele abusa das virtudes fonéticas de "ceifeira-debulhadora". Retive um outro poema, sobre o tempo. Tempo, mulheres e ceifeiras-debulhadoras, eis o universo poético do rapaz.
Um ponteiro das horas ao abandono
Sem roda dentada
Os minutos em ferrugem
Um peso que não se toca
Um segundo vai
E o segundo volta
Sabes,
Via sempre a mesma sombra
No corpo em movimento
Uma sombra parada
Que não se parecia com nada
O céu dava ares de fotografia
Uma imagem sem retoques
A eterna alvorada,
E vinha o padeiro
Depois o carteiro
Mas sobrava sempre a mesma sombra
No corpo em movimento
Era como se o tempo trespassasse
Sem deixar ferida
Um qualquer truque de ilusionismo
Sem verbo, nem nada
Envelhecer é uma merda! Estava com saudades tuas, ...
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Nem eu...
Ignoro com que sensação o Eremita publicou estas 1...
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