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OURIQ

Um diário trasladado

OURIQ

Um diário trasladado

30
Abr12

Sara(h)


Eremita

 

Escher

 

Forças indescritíveis obrigam-me a incluir uma mulher no enredo. Não são as pressões do mercado, pois aponto para a obra de culto; não é o olhar insinuante de Tatiana, pois resisto-lhe e agora até a acho gorda; não foi um sussurro de cama murmurado em Espanha, pois esqueço-me de todos na viagem de regresso e basta-me a FM. São forças. Indescritíveis ou descritas assim: homenzinhos, talvez barbudos,  em labor incansável, que percorrem os labirintos do meu cérebro como as figuras nas escadarias do Escher, mas em modo irrequieto. Fiz uns esquemas que não esgotam o leque de possibilidades  e conto comentá-los em ocasião oportuna:

 

Modelo femme fatale

 

Triângulo amoroso correspondido de contexto heterossexual

 

 

 

Triângulo amoroso com hetero e bissexualidade

 

 

 

Envolvimentos circularmente exclusivos

 

Modelo trevo de três folhas, aka tricórnio de matriz poliândrica 

 

 

Sinceramente, não sei como as pessoas escrevem romances com tanta facilidade. Estes esquemas, que são uma ínfima fracção de todos os enredos e permutações possíveis nas relações amorosas de quatro indivíduos, deixaram-me muito ansioso. Enfim, o mais simples será matar Sara(h) e mantê-la à distância com recurso ao flashback. Mas agora vou até ao café beber umas imperiais. 

 

 

 

 

28
Abr12

Uma frustração


Eremita

Graças aos préstimos do nosso moço de recados, o concerto de António Zambujo no Grande Auditório da F.C. Gulbenkian chegou a Ourique com razoável qualidade acústica. O sucesso deste nosso conterrâneo enche-nos de orgulho e o Fausto só já pensa numa forma de o capitalizar politicamente. Mas quando no fim do concerto cantou um tema de Chico Buarque, que alguém no Brasil apelidou de unanimidade nacional, percebi o contraste e os limites do consenso que Zambujo vai gerando, bem como por que motivo prefiro ouvi-lo a cantar modas alentejanas, fado tradicional e até listas telefónicas, se  ele decidisse fazê-lo. Irrita-me que uma voz e qualidades interpretativas sublimes estejam ao serviço de letras bonitinhas escritas para ele e que não deixam nunca de soar a encomendas. Parece que Zambujo se está a especializar como cantor de um repertório escrito por várias pessoas com mais de quarenta anos e pensado para ouvintes de classe média com mais de trinta, muito vulneráveis a uma exploração competente da nostalgia narcísica que são as recordações de infância. Mas não bastará a Zambujo a bela voz que tem, se continuar fundir tantas outras vozes num produto que logo se entranha e depois se estranha, como aquelas feições harmoniosas que resultaram da sobreposição de múltiplas caras. O que me salva, na verdade, é não ligar muito às letras, porque o amor cantado por Zambujo não consolaria nenhum adolescente e toda a gente sabe que é na adolescência que se aprende a ouvir canções.

27
Abr12

A afinação


Eremita

Haeckel

 

 

O The Guardian Books Podcast acompanha-me nos percursos de bicicleta entre o Cotovio e a vila há muitos meses, mas é a primeira vez que aqui lhe faço referência. O programa de 20 de Abril foi sobre "Fathers in Literature".

 

Parece que David Foster Wallace  passava a maior parte do tempo a pensar no que não devia escrever, atitude que era oposta - e vem com QED - à de José Rodrigues dos Santos. Mas também se demonstra empiricamente que tomar Wallace por modelo, além do anacronismo de um enamoramento adolescente nesta altura da vida, comporta alguns riscos para a saúde. E assim se resume uma das grandes dificuldades da minha existência: não tenho qualquer dificuldade em definir o problema e os extremos do espectro de soluções, mas sou incapaz de afinar a posição que me maximizaria como indivíduo. Talvez isso explique que não tenha acrescentado uma única palavra ao BW em muitos meses, nem contactado um canalizador para me resolver uma infiltração na cozinha. Há alguma esperança?

 

Há uma enorme e inesperada esperança. Depois do encontro com o livro de valter hugo mãe, o podcast Fathers in Literature foi mais um sinal de um apertar de cerco. Porém, voltei a sentir o alívio de que não me roubaram o tema. Com a ressalva de que pode ser apenas wishful thinki... não, que se lixem as ressalvas: sinto-me mesmo a cumprir um desígnio qualquer e possuído por uma fé. É claro que pode ser um primeiro traço de loucura. Sendo a solidão essencial para fugir à normalização do pensamento a que o convívio conduz, não sei se possuo capacidades cognitivas e outras suficientes para a suportar - aliás, tudo indica que não as possuo. Mas também esta apreensão se converte numa segurança acompanhada de um sorriso tranquilo. Tudo isto é muito estranho e por isso me pareceu importante documentar. 

25
Abr12

Celebra-se Abril


Eremita

 Cotovio, o meu recreio,  com o frondoso plátano das leituras, perto dos canaviais que circundam a horta abandonada e o poço que nunca secou - diz-se. À direita, jovens sobreiros ao longo da encosta; ao fundo, à esquerda, o monte em ruínas. Presente, futuro e passado. Não se vê a ribeira, que fica do lado de cá, a fugir para a direita, e é tudo isso a cada instante e ponto do espaço: presente, futuro e passado.

 

Mas corre na família a história de que foram os camponeses que quiseram devolver as terras ao meu avô, porque não se governavam. Um dia enfrentarei esta pesada herança.

.

24
Abr12

Chega de Verano Azul


Eremita

 

 

A guerra contra o cliché, à Amis, não é um desafio impossível. O cliché está do lado de fora e basta uma purga para o expulsar do texto. Mais difícil é a guerra contra a nostalgia, esse grande mobilizador de empatia. Nostalgia is the new porn, alguém escreveu, o que soa muito pop, mas pede reformulação, porque é frase de quem chegou à idade em que a nostalgia ataca e confundiu o seu percurso biográfico com o estado do mundo. Reformulemos: a nostalgia é o Cavalo de Tróia.

 

22
Abr12

Straw Dogs


Eremita


 

Tenho pelas crianças medrosas o mesmo desprezo que sinto por mim quando sou cobarde. Consigo topá-las com facilidade, porque também fui um miúdo cobarde. Para mim, estas crianças ficam marcadas com o ónus da demonstração de coragem, mas de certo modo já as condenei, como me condenei a mim. Mesmo que mais tarde não verguem perante os podres poderes, não deixarei de ver a coragem que demonstram como um acto desesperado de quem andou demasiado tempo com a pressão de mostrar aos outros, mas sobretudo a si próprio, que afinal não é um cobarde, como se nunca mais fosse possível corrigir o dia em que se recusou o mergulho da prancha dos 10 metros. É essa coragem desesperada que faz de Straw Dogs um dos filmes mais tristes de sempre.

 

 

 

22
Abr12

National Geographic


Eremita

 

 

 

Nota para o leitor: a leitura deste texto melhora com a audição em simultâneo da banda sonora que acompanha o vídeo.

Nota para mim: tentar perceber por que motivo os temas musicais dos programas televisivos sobre a natureza nos anos 70-80 eram invariavelmente bons.

 

Gustavo Offely fez anos e daqui de Ourique seguem os parabéns. É o blogger anónimo mais interessante que sigo desde que Rogério Casanova me veio visitar a Ourique e se denunciou. Antes ficava muito perturbado com o talento precoce, mas envelhecer torna-nos magnânimos. Um jovem talentoso não é bem um concorrente, nem sinal de esperança no futuro - a primeira ideia tem tanto de megalomania como de mesquinhez e a segunda é demasiado cândida ou adequada apenas a discursos oficiais. O jovem talentoso apresenta-se sobretudo como uma outra espécie e esta ideia é literal, no sentido de hoje olhar para eles com o encantamento livre de introspecções que provocam aqueles elefantes capazes de fazer desenhos, as aranhas que tecem complexas geometrias, as aves engenhosas que lançam nozes ao trânsito para que as rodas dos carros as esmaguem. Se Offely tiver mesmo 24 anos, só um desenlace de vida à Rimbaud o impedirá de fazer alguma coisa de jeito com as palavras.

19
Abr12

Complexo de Ourique


Eremita

Tenho elementos que me permitem concluir que o meu correio electrónico foi violado e que não se tratou de um episódio isolado, mas de uma rotina que se prolongou durante meses - uma violação à Josef Fritzl, passo o exagero. Não vos vou aborrecer com mais um discurso de indignado. Creio que devemos tentar retirar algo de positivo de qualquer experiência, mesmo que no caso concreto de positivo sobre apenas a experiência de uma experiência negativa e esta complexa sensação que possui quem foi vítima da maldade de alguém, que tende a fortalecer e legitima o recurso à expressão "condição humana". Curiosamente, não é a primeira vez que isto me acontece, o que diz alguma coisa sobre o meu talento para escolher senhas e as conservar secretas, e talvez me legitime - por acumulação - a aceder à expressão "banalidade do mal". Mas ainda que fique  paralisado de consternação só de imaginar certos conteúdos a serem lidos por uma terceira pessoa, sinto também uma vergonha de segunda ordem, como se de algum modo tivesse a obrigação de brindar o violador da minha correspondência com um segredo que lhe compensasse o peso na consciência pelo acto imoral que praticou (admitindo que tem alguns escrúpulos).  Uma tara sexual por póneis? Uma obsessão secreta pelo próprio violador da minha correspondência? Posições políticas inconfessáveis, como ser racista ou apoiar Morais Sarmento? Prometo não desapontar uma terceira vez.

 

 

 

 

 

19
Abr12

O Ouriquense como ilusão de causa próxima


Eremita

Estamos de volta. Creio estar quase a concluir que a minha improdutividade no conjunto de tarefas que fazem uma vida (pagar as contas, produzir, arrumar a casa, cuidar da roupa, manter as amizades, fazer ginástica, telefonar à família, escrever sonetos a Tatiana) não é minimamente afectada pelo Ouriquense. Mas sempre que resolvo parar, ainda é com a secreta esperança de conseguir arrancar para algum triunfo, melhorar um pouco como homem e até - não gozem - como cidadão. Voltou a não acontecer. A última dinâmica de vitória por que passei foi, se não estou em erro, em 1990. Sendo assim, mais vale ir alimentando isto, sempre convivemos um pouco.

 

 

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