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OURIQ

Um diário trasladado

OURIQ

Um diário trasladado

30
Nov11

Monserrat Figueras (1942-2011)


Eremita

Diz-se que os grandes jornais têm colecções de obituários de pessoas famosas ainda vivas, para não serem apanhados de surpresa. A Wikipedia funciona mais ou menos da mesma maneira, bastando mudar o verbo, tarefa que encontra sempre o seu voluntário anónimo. A morte de Montserrat Figueras não foi propriamente uma surpresa, excepto para mim, pois há uns dias ouvi mal uma notícia de rádio e estava convencido de que fora a Montserrat Caballé a falecer. Isto acontece-me com frequência. Talvez seja uma batota para associar à notícia definitiva da morte de alguém que admiramos a ressurreição de uma outra pessoa estimada.

 

 

23
Nov11

Não perco um funeral


Eremita

Ter falhado o funeral da minha avó paterna quando já era adulto fez com que agora tente não deixar passar nenhum. É uma das poucas coisas que me levam a Lisboa e vejo a missa de sétimo dia essencialmente como uma derradeira oportunidade, um playoff para uma possível repescagem. Ainda assim, a experiência não me tem melhorado. Quando chego a tempo ao velório, ao funeral ou à missa, preciso de um instante de concentração para esconder a alegria de ter conseguido cumprir a obrigação. Nunca sei o que dizer aos familiares mais próximos, porque as formules de politesse me soam impessoais e não encontro alternativas a tempo. E também me incomoda recordar sobretudo a troca de olhares com mulheres bonitas vestidas de preto que não levam óculos escuros.

16
Nov11

Livro da vida


Eremita

A revelação pública do livro das nossas vidas pertence ao conjunto de mentiras benignas que povoam o espaço público. Surge como mentira de primeiro grau, quando pensamos na resposta que nos melhora socialmente (um clássico da literatura qualquer); surge como mentira de segundo grau, quando pensamos que lembrar um clássico é uma resposta demasiado estereotipada e procuramos surpreender com um livro obscuro, isto é, idiossincrático; e surgirá como mentira de grau três a grau n, por motivos vários que a minha inteligência não alcança mas admite. Mesmo a resposta sincera não está isenta de suspeita, pois a honestidade aqui assenta num critério que pode não ter sido definido de forma absolutamente inocente - esta será, digamos, a mentira de grau zero. Enfim, talvez não seja útil prosseguir este exercício foster-wallaciano, pois é sabido que não faz bem nenhum. 

 Este livro é sempre o resultado de contingências que nem os pais mais zelosos com a educação dos filhos conseguem controlar. Imaginemos um gráfico repetido para cada livro, em que a a adequação mental para o ler e a probabilidade de o encontrar num dado momento são representadas ao longo do tempo. O livro da vida tende a ser aquele em que os picos destas curvas estão mais próximos, mas trata-se de uma verdade estatística e este método é ainda imperfeito por não captar a dimensão retroactiva que tantas vezes sedimenta esta certeza, isto é, o efeito que têm as surpresas sobre o livro depois de o termos lido - perceber que alguém especial também o leu, perceber que lemos um livro importante sem ter noção disso, descobrir que o autor teve uma vida e/ou personalidade fascinantes, etc. 

Continua*
* Este "continua", que tem sido um dos traços distintivos do Ouriquense, começa a deixar-me cada vez mais frustrado. Sei perfeitamente o que pretendo escrever para terminar os textos, e isso parece bastar, como se os escrevesse apenas como notas que ficam completas quando são suficientes para me lembrar mais tarde de tudo. Parece haver uma urgência latente em concluir algo que a escrita não deve adiar, mas a verdade é que não há nada mais importante. No fundo, não sou livre, nem mesmo em Ourique. 
15
Nov11

Da perfeição


Eremita

 

Sei que os superiores conhecimentos de Proust sobre música vão aparecer a qualquer momento e até já houve umas ameaças, mas não estava à espera que a sua cultura abarcasse a Zoologia. Convencido de que "myriades de protozoaires" tinha sido um esporádico devaneio, deparei-me ontem com: 

Et comme cet hyménoptère observé par Fabre, la guêpe fouisseuse, qui pour que ses petits après sa mort aient de la viande fraîche à manger, appelle l’anatomie au secours de sa cruauté et, ayant capturé des charançons et des araignées, leur perce avec un savoir et une adresse merveilleux le centre nerveux d’où dépend le mouvement des pattes, mais non les autres fonctions de la vie, de façon que l’insecte paralysé près duquel elle dépose ses oeufs, fournisse aux larves, quand elles écloront un gibier docile, inoffensif, incapable de fuite ou de résistance, mais nullement faisandé, Françoise trouvait pour servir sa volonté permanente de rendre la maison intenable à tout domestique, des ruses si savantes et si impitoyables que, bien des années plus tard, nous apprîmes que si cet été-là nous avions mangé presque tous les jours des asperges, c’était parce que leur odeur donnait à la pauvre fille de cuisine chargée de les éplucher des crises d’asthme d’une telle violence qu’elle fut obligée de finir par s’en aller. Combray II

 

Não consigo imaginar uma forma melhor de escrever esta passagem.

 

Ficha Técnica: a série "Recherche" baseia-se na escuta do audiolivro A la Recherche do Temps Perdu: L'Intégrale (111 CD), que conta com André DUSSOLLIER, Lambert WILSON, Denis PODALYDES, Robin RENUCCI, Mickael LONSDALE e Guillaume GALLIENNE. As citações são retiradas da magnífica edição online da eBooks@Adelaide - e viva a Austrália.

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