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OURIQ

Um diário trasladado

OURIQ

Um diário trasladado

30
Nov10

O judeu sobre a sua mesa de jantar


Eremita

Encontrei o judeu de tronco nu e deitado de barriga para baixo sobre a sua mesa da sala de jantar, não em contacto directo com a madeira, pois cuidou do seu conforto com um conjunto de atoalhados de linho, dispostos a todo o comprimento, e algumas toalhas turcas estrategicamente colocadas para que a testa, a parte interna dos covovelos, as ancas e os joelhos nada sofressem. Ainda era dia e as persianas estavam corridas, mas ele tinha velas acesas. Ouvia-se uma música de tipo chill out - suponho que seja já género musical - e o judeu estava mesmo relaxado, pois primeiro grunhiu e só depois falou:

 

- Não se arranja uma massagista em todo o Baixo-Alentejo. Estou a massajar-me psicossomaticamente. Vai-te embora, por favor. Mas lembra-me depois de te falar do Calvin Bridges. Calvin Bridges, fixa este nome. E não vás à Wikipedia, promete-me.

28
Nov10

Literatos puros


Eremita

Taxonomias Sociais

 

[nova série*]

 

As figuras mais intrigantes e possivelmente interessantes na cena literária são os grandes e exigentes leitores que não têm ambição literária, os literatos puros. Convém precisar, para a frase anterior fazer sentido, que a ambição literária se reduz aqui à ambição de escrever um livro, bom ou mau. E para introduzir algum rigor taxonómico, em jeito de prova,  elaborei uma simples chave dicotómica. Como se verá, o literato puro e o escritor sem mácula são as únicas criaturas passíveis de admiração.

 

1.1 Lê............................................................................................. 2

1.2 Não lê...................................................................................... 3

 

2.1 Tem ambições literárias.............................................................4

2.2 Não tem ambições literárias......................................................5

 

3.1 Não sabe ler........................................................... analfabeto

3.1 Não é analfabeto.................................................................... 6

 

4.1 Concretizou a sua ambição sem mácula.......................escritor

4.2 Não concretizou a sua ambição...............................................7

 

5.1 Lê obrigado..............................................................................8

5.2 Lê por vontade própria............................................................9

 

6.1 Tem ambições literárias..........................................................10

6.2 Não tem ambições literárias....................................................11

 

7.1 É preguiçoso...........................................................................12

7.2 Não é preguiçoso....................................................................13

 

8.1 É um profissional da literatura................................mau crítico

8.2 Não é um profissional da literatura...................doente mental

 

9.1 Não é ambicioso em sentido lato...................cidadão mediano

9.2 Tem outras ambições............................................literato puro

 

10.1 Pensa que ler só lhe retira tempo de escrita.........................14

10.2 Não tem escrúpulos..............................................................15

 

11.1 Tem passatempos...........................................................atleta

11.2 Não tem passatempos...................................................infeliz

 

12.1 Sabe que tem talento.............................................decadente

12.2 Sabe que não tem talento.......................................miserável

 

13.1 É empreendedor...................................................................16

13.2 Não é empreendedor.......autor de manuscritos inacabados

 

14.1 Escreve livros........................................................mau escritor

14.2 Não escreve livros.......................................iliterato arrogante

 

15.1 Contratará um ghost writer.......................................albradão

15.2 Não contratará um ghost writer...........................................17

 

16.1 É perfeccionista............................................eterna promessa

16.2 Não é perfeccionista...............................................................18

 

17.1 Conta com a família............................produto de nepotismo

17.2 Não conta com a família......................................................19

 

18.1 Tem falta de confiança.........................................................20

18.2 Não tem falta de confiança...................................................21

 

19.1 É atraente.............................................................................22

19.2 Não é atraente......................................................................23

 

20.1 As leituras são paralisantes..........................vítima da leitura

20.2 O meio social é paralisante......................vítima da academia

 

21.1 É vítima de forças de bloqueio externas...vítima da sociedade

21.2 É vítima de si próprio...................................... caso de estudo

 

22.1 Conta seduzir o/a editor/a...................................prostituto/a

22.2 Não conta seduzir o/a editor/a.............................................23

 

23.1 Conta subornar...........................................................corrupto

23.2 Não conta subornar...............................................................24

 

24.1 Conta cometer algum outro acto condenável..............má rês

24.2 Sente-se bafejado pela sorte.........................................místico

 

Adenda: creio que estamos na presença de uma boa ideia muito mal executada. Mas com algum investimento de tempo há aqui um caminho: chaves dicotómicas entre o sério e o jocoso para dissecar todos os tipos sociais. Existem inventários, bestiários, cadernetas, frescos sociais, tábuas de personagens e o DSM-V, claro, mas não conheço chaves dicotómicas para tipos sociais, embora suspeite que alguém já executou esta ideia com competência em algum momento e lugar.

 


27
Nov10

Uma solução estrutural


Eremita

Como as promessas devem sobreviver, creio que tenho há muitos anos um monólogo para escrever, encomendado por e para uma mulher. Como se não bastasse tratar-se de uma cidadã urbana que julgo ainda morar numa cidade, não sei o que acontece dentro da cabeça das mulheres. Uma forma de resolver este problema com alguma honestidade é a peça passar pela revelação de que a mulher que falou se trata, na verdade, de um homem. Para que nos entendamos: o actor seria uma mulher e a personagem um homem a fazer de mulher.  Ou seja, o actor seria uma actriz. En passant, assim se prova que na transmissão de ideias verdadeiramente complexas as conquistas feministas no domínio da língua só vão atrapalhar - isto porque se "actress" tem os dias contados na América, o mesmo sucederá por cá a "actriz", como aconteceu já a "poetisa". Parece haver nesta perda de rigor um ganho civilizacional, que virá de se acabar com uma qualquer discriminação, mas confesso a minha incapacidade em perceber tal  lógica e prefiro pensar que estamos a observar na língua o mesmo tipo de excessos - assim à PREC - que geralmente acompanham as boas conquistas - como a igualdade de género e o 25 de Abril.  Enfim, retomando, bem sei que no teatro muitas vezes os homens fazem de mulheres e vice-versa.  Também é verdade que há  travestis no Quijote. Mas creio que me teria lembrado desta solução - em rigor, um vice-versa-vice - se nunca tivesse visto uma peça, lido sobre teatro ou se andasse presentemente a consumir prosa menos actual, como a de Manuel Alegre.

26
Nov10

Doris Lessing pode esperar


Eremita

 

 

Gustave Doré

 

Até ao capítulo XXVIII, Don Quijote é um romance feminista*.

 

* Esta frase, por exemplo, pode passar  por bluff intelectual. Sigo a classificação de H.G. Frankurt, H.G., que distingue entre a mentira, o bluff, a dissimulação e a treta, mas gostaria de pensar que me salva a intuição e que, só por isso, não estamos na presença de um bluff. Falo da intuição de quem de repente se sente tão capaz de dar por válida uma conclusão que não se dá sequer ao trabalho de a demonstrar.

 

Autocitação do dia:  sobre um livro de Lessing.

26
Nov10

Armas de fogo e mulheres nuas, no fundo


Eremita

Por vezes há consenso quando deixamos o cineclube. Esta noite todos concordámos que a fotografia e o ritmo de The American estão no ponto, apesar de o filme lembrar aquelas pessoas que por falarem pouco deixam no ar uma ilusão de inteligência e mistério. Parafraseando a mais famosa frase da literatura científica recente, também it has not escaped our notice que as mamas de Violante Placido são absurdamente irrepreensíveis. Mas o que me tocou mais fundo e não partilhei com os outros foram as cenas de afinação da mira telescópica, um clássico dos thrillers a que respondo sempre com um entusiasmo infantil, que terá sido espoletado pela cena da melancia de The Day of the Jackal, ainda imbatível. Esta cena:

 


 

 

 

24
Nov10

Equívocos do sacerdócio


Eremita

Pavese pode vir a cumprir o que geralmente observo nos outros deprimidos pelo desamor: o assunto em que são menos interessantes a escrever  é precisamente o que mais os atormenta. Isto verifica-se, suponho, por se julgarem legitimados pela prática de um sacerdócio, suspendendo o juízo crítico que aplicam com intransigência e óbvio sucesso quando escrevem sobre outros assuntos. Mas por agora só sei que me interessa o que Pavese escreve sobre poesia; do resto guardo apenas aquele palpite que resulta de já ter espreitado um puzzle que não montei.

 

* Para que conste: estou a ler e não a ouvir Pavese.

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