O novo predestinado
Eremita
Pedro Nuno Santos (PNS), que em menos de um ano foi abrigado a um pedido de desculpas público humilhante por se ter precipitado no anúncio da escolha da localização do novo aeroporto de Lisboa e a demitir-se por causa da série de trapalhadas associadas à indemnização de Alexandra Reis, foi dado como oficialmente recuperado para a política portuguesa pelas qualidades políticas que demonstrou na CPI (na passada quinta-feira).
Em algum momento, alguém decidiu que PNS é a única esperança da esquerda. Quando? Não se sabe bem, talvez em 2018, no congresso em que Costa, sentindo-se acossado, disse que ainda não tinha metido os papéis para a reforma. E quem decidiu? Foi o próprio PNS. Trata-se de um feito extraordinário, só ao alcance das pessoas carismáticas. Afinal, o carisma é a capacidade que alguém tem de instrumentalizar os outros em benefício próprio, incutindo-lhes as suas próprias convicções. Só esta hipnose colectiva explica a prosa hagiográfica da jornalista São José Almeida. Reparemos:
Há verdades que são mais inverosímeis do que a mentira, mas não vou passar a mentir só porque ela parece mais credível do que a verdade.” Esta declaração feita por Pedro Nuno Santos, na quinta-feira, na comissão parlamentar de inquérito à gestão pública da TAP, é a mais importante declaração política do ex-ministro das Infra-Estruturas e da Habitação, no que se refere à sua credibilização política e ao seu futuro político no país e no PS.
Por mais absurdo que possa parecer o seu esquecimento de que autorizara o pagamento de meio milhão de euros à ex-administradora da TAP Alexandra Reis – “Não tinha memória, no final de um ano, daquela mensagem e da minha participação sobre o montante e a autorização” –, por muito que haja quem nunca vá acreditar que isto aconteceu assim, o facto é que a forma como Pedro Nuno Santos assumiu o erro que cometeu e assumiu a razão por que se demitiu são actos de coragem e seriedade políticas, que mostram que tem o caminho aberto para recuperar o seu papel na política portuguesa. Público, 17 de Junho de 2023
Ao longo do artigo, a jornalista não descreve sequer a inverosimilhança, parecendo-lhe bastar o eco da frase de belo efeito de PNS. E PNS não assume erro nenhum, reconhece apenas um esquecimento em que é impossível acreditar, por se tratar de uma das mentiras mais "ostensivas" que ouvimos na política portuguesa. Mas sobre este homem inteligente, corajoso e que fica bem de barba não parece ser importante saber se é íntegro, controlado e honesto. Aqueles que já haviam interiorizado a convicção de PNS, entranharam agora a dúvida que PNS lhes transmitiu sobre se terá ou não mentido, como se o ónus da prova a que PNS se escapa pudesse ser substituído por um voto de confiança íntimo, dirigido à consciência de cada um. Para São José Almeida, esta escapatória indecente é um acto sério e de coragem. Enfim, só nos resta esperar que a ambição de PNS dê apenas cabo do PS e da credibilidade de alguns jornalistas. O país não aguentaria um novo menino de ouro.